Última

O bip do relógio alertou as horas. Continuei deitada, entre desperta e sonhando, enquanto ele levantou-se e recolheu suas roupas espalhadas pelo quarto, fazia isso em silêncio, soturnamente. Espreguicei-me na cama e observei- vestindo-se. Ele sorriu-me levemente envergonhado, ignorei suas reações, queria guardar bem aquele momento, pois seria o último.
Naquela noite mais cedo, ao ver seu nome no visor do meu celular percebi que aquilo teria que terminar. Nada estava saturado em nossa inconstante relação de noites, mas eu não podia mais sustentar aquela situação. Ele inclinou-se, e eu sabia que era para me beijar, normalmente eu não o aceitaria, mas aquela era a última vez. Seria uma despedida. Beijei-o, um beijo cálido, calmo, carinhoso. E, talvez, pela primeira vez ele olhou-me, realmente, nos olhos. Senti que naquele momento nós nos conhecemos, depois de tanto tempo. Colocou a mochila nas costas e saiu, dali a alguns minutos, ouvi o carro dando partida, pela última vez.
Esparramei-me novamente na cama, o perfume dele impregnado nos travesseiros, nosso cheiro pairando no ar. Levantei-me enrolada no lençol e abri a janela, a brisa matinal entrou fresca. Deitei-me na cama, o aroma não passando de uma leve lembrança. A luz morna e aconchegante do sol embalando em um sono calmo.
A presença dele agora mal aparecia na minha bagunça, a noite com ele, a última e todas as outras, eram apenas murmurios vagos, sonhos fracos e distantes. Adormeci em sonhos brancos, placidos, ladeada por um a parca ausência de uma presença que parecia ter estado ali.

Porta

Fecho a porta do quarto com cuidado, tomando cuidado para não fazer nenhum barulho, prestando atenção para não incomodar ninguém. Já sou incomoda o bastante sozinha. Encosto na parede e vou escorregando devagar até chegar ao chão. Seguro o ar, com medo de fazer barulho, com medo de assustar, quem sabe a mim mesma. Suspiro e começo a chorar baixinho. As lagrimasescorrem soltas por meu rosto, não a nada a se fazer. Posso olhar em volta e ver o que restou, uns livros seus na estante, alguns cds que você deixou, uns poucos filmes restaram, as blusas que ficaram perdidas no armário. Tiro as sandálias e jogo-as a umcanto, vazio e sem sentido, outro canto abandonado.
Não são todos os dias tão ruins assim, alguns são realmente bons e outros, nem tanto. Como ontem, ontem foi um bom dia. Sai com minhas amigas da faculdade, e o barulho e os risos me distraíram, me tornaram leve, fui dormir em paz. Mas hoje, hoje eu vi osilencio e é no silencio que vejo você. E não era o nosso silencio, era o meu silencio longe do seu, era o seu silencio com outra.
Não sei quanto tempo passou desde que saiu de casa, foi embora e levou a sua parte da bagunça. Tudo agora é tão excessivamente arrumado sem você, preferia antes, com nossa bagunça, nosso cheiro, nossa brincadeira, nosso silencio.
O chão está frio e eu quase posso ouvir você dizendo: “Saia do chão vai pegar um resfriado sua irresponsável”. Riu sozinha com minhas lembranças gostosas e me imagino respondendo “Não vou sair seu chatinho responsável, deixe-me ser feliz em paz”. Mas os tempos são outros e as falas são outras.
Levanto devagar, não quero fazer meu mundo girar novamente, minha constante tontura me basta. Tontura, enjôo, meu mundogira, perdi meu ponto de equilíbrio. Sempre fui meio desequilibrada, caindo pelos passos e repassos, literal e figurativamente falando. Nunca estive em perfeito equilíbrio com nada, por isso corria tanto, mudava tanto, não me importava tanto. Mas com você era diferente, me sentia em equilíbrio, em sintonia com algo. Ao que parece, estava errada, ou era só você que não estava emequilíbrio.
Uns passos trôpegos me levam até a  cama desarrumada, como sempre, não me dei o trabalho de arrumá-la para não ter o trabalho de desarrumá-la mais tarde. Jogo-me sobre os lençóis revirados e percebo quanto temos em comum. Ambos jogados em cima da cama, largados de qualquer jeito, sem ninguém que se importe o bastante para segurar e nos arrumar.
Durmo ouvindo atentamente o silencio. Adormeço atormentada pelo espaço extra na cama. No fundo, eu só espero que você abra a porta, atravesse o quarto e deite comigo na cama, como antes, como quando era certo. Ouço o silencio da esperança de ouvir o seu barulho e a sua bagunça voltando para casa, mas de um modo ou de outro eu sei que é tudo ilusão. Se você por um acaso adentrar pela porta, não será para me pegar nos braços, sussurrar nos meus ouvidos tudo o que fará comigo, me jogar na cama e me segurar bem forte dizer que me quer antes de me beijar. Não, se você entrar pela porta será para pegar os livros que esqueceu, os filmes que tanto gosta, uma camisa que te deixa particularmente charmoso, e só.
Afasto tais pensamentos com a força das lagrimas que escorrem. Preciso dormir, preciso sonhar, preciso continuar e dessa vez será sem você. Abraçada lealmente à noite, as lagrimas, ao lençol, eu durmo ouvindo ao silencio.

Tardes...

A cama toda bagunçada, estou jogada de qualquer jeito sobre o lençol bagunçado. Lá fora o céu está claro e azul. O calor do sol entra pela janela aberta, um sabado parado de tão calmo. Ele entrou no quarto e sentou-se na cadeira, esticou as pernas e apoiou-nas na cama, sorriu-me.
Suspirei cansada antes de esticar-me e pegar o violão ao lado da cama. Ele pegou-o de mim e olhou-me esperando que eu lhe dissesse a música a tocar. Revirei os olhos impacientes e encarei o teto, meus pensamentos voltados para nada, era só o que queria, nada. Ficar lá deitada, olhando o céu, sentindo uma suave brisa e aconchegante calor do sol, que esporadicamente chegava até mim.
"Não seja tão teimosa", ele sorriu antes de começar a tocar. A melodia suave espalhou-se, sua voz grave e conhecida murmurava uma canção que eu conhecia tão bem. Sem resistir, comecei a cantar timidamente.
"Porque você me deixa tão solto", minha voz somada a dele não era assim tão ruim embora nenhum de nós cante bem. A música terminou e eu ri para ele.
"Seu idiota, sabia que eu não resistiria"
"Sua idiota, é claro que eu sabia"
Rimos juntos, e agora mais acordada, sentei-me para contar-lhe minha noite anterior. Ele dedilha no violão alguma música boba e infantil dos desenhos que costumavamos assistir. Suspirei, tomando folego para contar, nossas atuais fofocas nada tinham com os infantis contos e aventuras de antes. Haviamos crescido, e mesmo assim, eramos os mesmos, ou quase.
Outro dia chegou e passou ao lado dele, como tantos outros. Como tantos outros. Minha mãe busina na frente da casa, eu rapidamente abraço-o bem apertado, em uma semana podei vê-lo novamente. Desço as escadas correndo, um beijo na irmã dele outro na mãe, um abraço para o irmão e corro porta afora. Ele está na janela e me da adeus, mas eu sei que é apenas um até logo.

Escritora

As paredes reverberaram com a força da batida. O som da porta contra o batente estendeu-se por toda a casa. Olhou rapidamente de um lado para o outro do quarto. Atravessou o quarto em três passos. Abaixou-se e puxou a mochila que estava jogada em baixo da cama. Virou-se e começou a jogar para dentro as coisas de que precisaria. Calcinhas, carteira, meias, jeans, sutiã, camisetas, escova de dente, um casaco, o álbum de fotografias, o caderno, uma caneta. Incessantemente olhou de um lado para o outro. Buscava qualquer coisa importante que tivesse por acaso deixado para trás. Viu jogado sobre a cama bagunçada o computador portátil. Um notebook que ganhara três natais antes. Colocou-o na mochila. Certa de que nada ficara para trás, foi buscar seu bem mais precioso. Pegou com cuidado a câmera, colocando-a na capa de proteção. Meteu-a também na mochila, com cuidado. Colocou a mochila nas costas e subiu na janela. Por um segundo parou. Por um último segundo olhou com carinho para o quarto que durante tantos anos havia sido seu refugio, sua fortaleza, sua prisão. A nostalgia abateu-se sobre ela por um segundo. E então, passou. Pegou a pasta que estava sobre a mesa. Saltou para a noite.


Sentiu-se afundar um pouco quando seus pés tocaram a terra molhada. Dentro da casa os gritos recomeçaram. Não olhou para trás. Apenas começou a correr. Chegou, escalou e saltou o muro com a mesma facilidade que tivera com a janela. Alcançou a rua. Olhou para os dois lados antes de continuar. Com passos rápidos ganhou a noite. Seu coração disparado pela adrenalina. Seus passos velozes pelo desespero. Suas mãos tremiam. Seus olhos ardiam.

Respirou fundo, absorvendo a noite. Olhou para o céu. A noite estava nublada, não se viam estrelas. Continuou seguindo em frente, não olhava para trás. Seus passos agora diminuíam de velocidade. Não mais corria ensandecida pela rua. Andava, quase calmamente. Levou tempo para olhar ao redor. A rua quase sem iluminação. Deserta. Quase não se percebia vida ao redor.

Talvez não tivesse sido tão boa idéia fugir assim, de noite. Apressou novamente os passos. O coração voltou a disparar. As mãos a tremer. A adrenalina bombeava-lhe para frente, seguindo.

Se antes por ansiedade, agora por medo. Segurou firmemente com as duas mãos a pasta com todos os seus escritos. Acalmou-se. Lembrou de seu objetivo. Sair daquela vida. Deixar tudo para trás. Seguir em frente. Ganhar o mundo. Olhou novamente para o céu. A lua ganhara as nuvens, e exibia-se pálida e solitária em meio ao negrume da noite.

Abaixou os olhos dos céus, tinha que manter-se firme a terra. Seus olhos pousaram nos ponteiros do relógio. O susto, o pavor. Teria que correr se não quisesse perder o ônibus. Patinando pelas ruas molhadas, correu o máximo que pode. O máximo que a água, terra, folhas mortas e pedras lhe permitiram. Maldita falta de civilização. A raiva, o ódio, o rancor, reacenderam-lhe na alma. Correu mais.

Chegou ofegante no ponto de ônibus. Seu peito arfava dolorosamente. Não se importou. O ônibus acabara de chegar. Sorriu radiante. Saltou. Perdeu seu chão de terra. Ganhou o chão de metal firme da civilização. Andou desajeitada pelo ônibus vazio. Entregou o dinheiro para o cobrador. Sentou-se no meio do ônibus, num lugar vago a janela.

Pela primeira vez na noite, sentiu-se realmente bem e segura. Sabia que seguia para um caminho totalmente desconhecido e sozinho, mas mesmo assim, muito melhor que a corrente de gritos e grilhões que tinha na grande casa velha.

Ajeitou-se no acento pensando em tudo o que deixara para trás. Os pais briguentos e ultrapassados. Os irmãos machistas e arrogantes. O bairro afastado que mais parecia uma pequena aldeia medieval. A casa grande, imponente, e caindo aos pedaços. O preconceito e julgamento de uma população que parara de viver no século dezenove. A falta de compreensão, dos professores, da diretora. Os xingamentos e amolações dos colegas da escola. A inexistência de amigos. A solidão praticamente absoluta que vivia. Não agüentava mais. Não podia mais. Era diferente, sabia disso, mas não justificava o tratamento de infecciosa que recebia.

Lembrou-se da única luz em sua vida. A pequena irmã. Machucava-lhe deixá-la para trás. Mas não sabia como seria sua vida daqui para frente, como imporia para a irmãzinha o mesmo tipo de vida? Não, era melhor assim. Por enquanto.

Como toda família de destaque tradicional, a sua era basicamente machista. Prezava os filhos homens acima de tudo. Apenas esperava que suas filhas fossem belas e educadas o bastante para arrumar bons maridos. Eles ainda tinham a ousadia de dizer que viviam no século vinte e um. Para desgosto absoluto de seus pais, ela nascera antes de todos os outros. Uma primogênita. Uma desgraça para a família. Para aumentar a desgraça, o irmão gêmeo morrera no parto. Ela a irmã ingrata, a filha, a mulher, sobrevivera. Com o passar dos anos, filhos homens nasceram para fazer a alegria dos velhos. Enquanto ela era deixada de lado, a sua própria sorte. Sozinha, solitária. Por um lado aqueles foram os piores anos de sua vida. Por outro, foram os melhores. Até os doze anos. Nessa época nascera sua pequena luz. Uma irmã. Foi igualmente desprezada pelos pais, pelos irmãos, mas não por ela. Teriam sempre uma a outra. Até agora. Seus olhos arderam até derramar uma lagrima, a primeira em muitos anos. Não chorava por si, mas pela pequena que abandonara.

As luzes do centro começaram a brilhar mais perto. Secou sua lagrima. Afastou os pensamentos de seu passado. Tinha que pensar em si. Um silencio arrasador tomou conta dela. Seus pensamentos sempre a mil por hora, agora se mantinham quietos, afastados, indiferentes. O ônibus seguira seu exemplo. Antes tomado por cochichos e risos, agora se mantinha estranhamente quieto. Uma aura de ansiedade e nervosismo circundava o lugar. Olhou pela janela. Cada vez mais perto das luzes, que incessantemente brilhavam.

Eram promessas de futuro, de diversão. Cada pequena luz que brilha na escuridão, é uma pequena promessa de chance. E como uma onda de prosperidade, as luzes invadiram todas juntas o ônibus escuro. Era um mar de cores e brilhos. Através da janela podia ver. Os luminosos grandes e coloridos. Cada um mais brilhante e chamativo que o anterior. Propagandas gritavam, chamavam, em cores berrantes, qualquer coisa que atraísse alguém.

Dentro do ônibus, uma profusão confusa e colorida de cores piscava. Horas com mais cores do que imaginava ser possível, e algumas horas, sem cor alguma brilhando. Nessas horas, que não passavam de minutos, onde ficava imersa em escuridão, enquanto o mundo lá fora brilhava em alegria e promessas, nessas horas sentia medo. Medo de se perder nas promessas coloridas, e acabar com apenas isto, promessas coloridas.

Pegou o celular e procurou em sua lista de contatos um nome. O único nome que realmente poderia ajudá-la. Conhecera-o alguns anos antes, em um dos muitos festivais que participara. Ela impressionara-se com sua experiência e talento. Ele impressionara-se com seu sobrenome. Normalmente isso a teria tirado do serio, e feito com que se irritasse, mas na ocasião percebeu que aquela seria a única forma de chamar a atenção dele. Continuaram em contato, por e-mail.

O nome dele piscando na tela de seu celular. Ligar. Colocou o aparelho no ouvido e esperou. O som do chamado a torturava, ainda era cedo, não passavam das nove da noite, porque ele simplesmente não atendia logo o telefone? O medo rodeou-lhe, cercando-a em territórios cada vez menores. Aproximando-se. “Alo?” ele atendeu risonho e incerto, provavelmente estava bebendo, pensou irritada.

“Eu aceito. Estou aqui.”. Ela disse rápida e objetiva. Não precisou dizer quem era, ele sabia. Por uns instantes ele não respondeu. Ela quase podia ver a sua expressão, em um misto de impressão, espanto e incerteza.

“Onde?” ele sussurrou refazendo-se do susto.

“Em frente ao Plaza”. Ela desligou sem esperar resposta, sem se preocupar em ser educada. Sabia que era esse tipo de atitude que ele esperava dela. Uma rica e mimadinha garota de uma antiga importante família. Ele não sabia de nada. “E também não precisa saber”, pensou com amargura. Vislumbrou de longe a frente do imponente hotel. Lembrava-se dele de sua infância. Os finais de semana na suíte da família, apenas para que os pais e os irmãos fossem a alguma festa, apresentação ou evento idiota. Ela sempre ficava no hotel. No começo por deixarem-na abandonada, depois, por birra. Ela, quando crescera, tornara-se uma garota que não era de todo feia, e arrumada tornava-se até bonita. Seus pais queriam exibi-la por ai. Apenas um rostinho agradável de olhar. Levantou-se com raiva, e apertou o aviso para o ônibus parar. O motorista freou com brusquidão, e ela perdeu o equilíbrio. Voou para frente, e conseguiu apoiar-se em um dos cabos de segurança antes de cair estatelada no chão. Mas não antes de deixar cair sua pasta com os contos, poemas e crônicas. Com um sorriso amarelo, envergonhado, abaixou-se, pegou suas coisas e desceu do ônibus em frente ao grande hotel.

Sabia que não estava vestida de acordo. Sabia que olhariam torto para ela, como se ela não pertencesse àquele lugar. E sabia também que tudo mudaria quando exigisse a suíte da família e provasse ser quem era. “Primogênita da grande família Oliveira e Andrada”, pensou com nojo. Sentia-se constante nauseada. Tinha a impressão que iria vomitar ou chorar, dava no mesmo, toda a vez que era obrigada a pronunciar em alto e bom som seu nome. Isabel Cora O’Bard de Oliveira e Andrada. Ou como seu pai a apresentava, Isabel de Oliveira e Andrada. Isabel. Odiava seu nome. “O nome de uma princesa”, dizia sua avó quando ela era pequena. “Princesas vivem em castelos”, ela respondia “e são amadas e queridas” acrescentava para si. Entrou no hotel.

Dirigiu-se para a recepção. E antes que fosse enxotada dali pelos seguranças, colocou sobre o balcão sua identidade e pediu um quarto. A recepcionista pegou a identidade com certo asco, mas mudou totalmente sua expressão quando viu ali o maldito nome estampado. Passou a ela um cartão e a identidade. Isabel devolveu-lhe um sorriso que estava entre o nojo e a ironia. Pegou o que lhe era devido, virou as costas e saiu dali o mais rápido que pode.

Àquela hora os hospedes estavam jantando ou então em alguma festa importante e imprescindível, por um motivo que apenas eles sabiam e que ela não se preocupava em saber. Pegou o elevador sozinha, e subiu para o décimo primeiro andar. Poderia seguir até mesmo vendada para o quarto que a família costumava ficar. Tantas vezes seguira por aquele caminho. Quarto seiscentos e sete. Entrou jogou a mochila no sofá, atirou a pasta sobre uma cômoda e jogou-se na cama grande e confortável. Pegou o celular novamente, e começou a digitar uma mensagem. “Estou no quarto 607. Não venha hoje.”. Enviou-a, desligou o celular e atirou-o junto da mochila, sem realmente importar-se. Empurrou os tênis com os pés, apagou as luzes e perdeu-se no meio da gigante quantidade de cobertores e almofadas. Quando teve certeza de estar sozinha com as sombras do quarto, chorou até cansar-se. Com os olhos inchados, doloridos, a garganta embolada, a face encharcada e o corpo exaurido. Completamente cansada e exausta, ela caiu em um sono sem sonhos.

(contiua)

Por um amigo querido

Algumas vezes certas pessoas cruzam nossos caminhos, e sem querer essas pessoas acabam sendo espelhos de nós. Eu sem querer acabei topando com esse espelho, tão negro quanto eu. Sinto-me orgulhosa e feliz de conhece-lo, e agora ainda mais de poder dividir meu 'teto' com ele.
Porque as vezes amizade tratá-se sobre isso, sobre dividir coisas muito particulares com pessoas muito peculiares.
Dificil é só uma palavras que usamos para complementar um conto, um poema, não é realmente uma realidade, porque mesmo um teto distante e de dificil transposição, pode ser alcançado com as palavras certas.


Jogado no sofá, meus olhos o encaram, ele ri-me irônico, cruel, intransponível.


Frio. Brigado com minha feição, corrói-me.

Brinca comigo.

Inutilmente tento alcançá-lo.

Apenas evidencia quão alto é, quão longe estou.

Escuro. Emplaca-se como barreira invisível.

Visível. Cabalmente visível. Indubitavelmente visível.

Irriquieta-me. Algo além merece ser visto.

Recua-me. Faz perder-me a ideia capital de um sentido, esboça minha falta de capacidade.

Objetivado a concretizar meu abstrato, distancia, imóvel, meu pensamento, embora fugido, oportuno.

A massa, o concreto, fortificado. Concreto.

Pensamento concretado. A angústia de ater-se abstrato.

Iluminado. Disposto a não perder, não fugir, manter-se firme.

Sentimento algum. Ódio, talvez, fluindo, alimentado.

Razão. Perdida há muito tempo, ignora-me, adora-o.

Se pudesse, sairia, mas mantenho-me vivo por obrigação. Ele me enoja.

Minha barreira psicológica, minuciosamente criada por diversão, acanha-me, perturba-me.

Desvendo passo a passo meu inimigo.

O chiar do telefone soa a meu lado.

Intransigente, sorri-me uma ultima vez, fechado, amarelo.

Acordo de minha perturbação.

Irrelevante.

Atendo.

Chiado.

Ele.

 
Por renan,
meu querido amigo espelho.

Solidão

Estou sozinha. Não há nada a fazer sobre isso, a cada passo que dou mais sozinha eu fico. Eu não pertenço mais a lugar nenhum, não tenho um lar, não me sinto em casa, não há nada para retornar, não há onde retornar. Ao meu redor, a solidão física permeia o espaço embora eu não vá a lugar algum sem ninguém, estou sempre só.

Olho a minha volta, é frustrante perceber que estou só, enquanto todos estão rodeados e juntos. A solidão aumenta. Descobrir-se nada para o mundo é algo que causa ânsia. Estou constantemente nauseada e sinto que posso vomitar a todo instante, ou chorar, dá no mesmo. Noção de qualquer coisa que seja me escapa pelos dedos. Desaprendi a viver com pessoas porque estou vazia delas. Vejo-as o tempo todo, converso, ouço, toco, mas elas nada significam, são como luz ou vento no espaço, devem estar ali para compor o ambiente, nada mais. Qual a utilidade de qualquer uma delas em minha vida?
A indiferença preenche-me quando as vejo, ouço e sinto. Nada me causam, nada me acrescentam, continuo inutilmente igual a antes.
Sinto-me cada vez mais irrelevante ao mundo, cada vez mais inútil e desproposital. Penso e falo, olho e sinto, cheiro e ouço, sem que significado algum se faça para mim. O mundo gira, o mundo para, o mundo volta. As pessoas continuam as mesmas de sempre. Todas são as mesmas horríveis e mesquinhas de antes. Todas ainda sorriem quando me vêem passar. No fundo sei que é enrolação, posso sentir o ódio dirigido a mim, no ambiente, no meio das frases, entre os olhares. Lufadas de um ódio primitivo rondam o ambiente a minha procura. Não posso, contudo gritar-lhes para que parem, eles não o dizem.
Continuo caminhando, a cada passo mais sozinha, mais distante. É um caminho sem volta, de uma passagem só de ida, Passargada me espera ao final da linha de metro, de lá pego um trem direto até o castelo do rei, meu amigo.
A sensação de náusea não me deixa dormir, descansar, sonhar. O pensamento latejante grita-me que não presto, é insistente o bastante para manter-me sempre atenta e alerta. O cansaço vem, os dias sucedem-se, e no final nada mudou, nada nunca muda.
As pessoas ainda lutam para serem as melhores, sem se importar realmente com as outras. Todos sempre têm dentro de si um egoísmo negro e um narcisismo vermelho, que mascaram com sorrisos brancos em um mundo cor-de-rosa.
O mundo fede, as pessoas fedem, a tudo. Desde inveja inescrupulosa, ao exarcebado consumismo e o capitalismo, que não passam de desculpas para que as pessoas possam tomar o querem sem se sentirem culpadas.
Tudo ruí a nossa volta, e ninguém vê ou se importa, porque todos estão conseguindo o que querem, e os que não conseguem, mal tem força para erguer-se e dizer, e mesmo que dissessem, ninguém os entenderia ou pararia para ouvir.
O mundo é uma merda. E as pessoas são uma merda. A vida é uma merda. E ainda sim estou aqui viva, agarrada com todas as forças a uma vida que não me faz bem, a uma vida que apenas me mostra desespero e impotência.
Estou viva dentro de um mundo que temo em deixar. Temo o dia que não abrir os olhos para ver o céu cinza e as nuvens negras, o sol escaldante e as pessoas nojentas e ignorantes. Temo o dia que não poderei correr por dentre os carros fedorentos e barulhentos, entrar em uma sala mal conservada e olhar para as caras feias de pessoas desconhecidas.
Sou uma louca sem noção. Quando olho para mim, vejo que nada tenho, nada tive. A solidão que me acompanha, irá deixar-me, quem sabe, no dia de minha morte. Nasci sozinha em uma quarta-feira fria. Vivi sozinha em um mundo gelado. Escondi-me no escuro, e olhei a viva através da fechadura de uma janela.
Restam-me as letras deixadas, as entrelinhas lidas, o entendimentos dos livros, pois sou tão grande quanto as páginas dos livros que vivo, e tão real quanto as letras que escrevo.
Sou uma louca por viver.
Sou uma louca por continuar vivendo.
Sou uma louca por querer viver.
Sou uma louca.
Vivo.
Vivendo.
Só.

Meu eu

Se perguntarem por ae, diga apenas que sou uma garota que vive perdida nos trilhos, gosta de cores e notas, leva na mochila apenas um livro e uma música, deixou de ser a muito tempo alguem e busca saber quem.
Se perguntarem por ae, diga apenas que vivo, e que me viu passar, que não tenho hora pra voltar, só algo para acreditar e umas histórias para contar.
Se perguntarem por ae, diga apenas que faço jornalismo, que sonho em ver o mundo e aprendo a viver nas arestas dos amigos que levo comigo, num beco com saída pra noite.
Se perguntarem por ae, não grite os segredos, sussurre baixinho que me teve por perto, e que me viu partir sem saber pra onde, guiada apenas pela estrela polar.
Se perguntarem por ae, não tenho idade certa, acordo como uma velha, passo a tarde criança, pra crescer no almoço, viver a tarde adolescente e ir dormir alguma hora proxima da juventude, pra dançar a noite inteira, e passar todo o tempo sonhando acordada, vivendo fantasias desperta e realidades acordadas presenciadas em sonhos.
Se perguntarem por ae, não tenho ninguem para amar, nem um coração para dividir, apenas tudo o que levo comigo, e sera seu enquanto o tempo durar, sem saber se vou partir ao acordar ou ao morrer.
Se perguntarem por ae, não sigo um caminho certo, não sei da onde vim, e não faço ideia de onde chegar, pego carona na rabeira de uma moto, sigo o itinerante de um circo, acompanhando as estradas das nuvens.
Se perguntarem por ae, diga ao fim que nunca me viu, que sou apenas um sonho, uma nuvem, diga que sou um sorriso perdido nos labios de uma criança, a noite aproveitada ao lado de um alguem, um prazer, um poema, que começa intensamente e termina simplismente com : She lived and then died.

Lobos

Hoje senti medo!
Não era um medo qualquer, desses que temos ao ficar sozinhos no escuro. O medo que senti cresceu por cima de mim, agigantou-se tornou-se maior que eu, tornou-se eu.
Parei olhando-o nos olhos. Não pude continuar, encolhi-me num canto de mim. Paralizada de medo e temor. Meus dedos tremiam, meus olhos lacrimejaram-se. Senti meu coração falhar, e meu cerebro adormecer. E eu só queria chorar e dormir até tudo passar, mas não consegui. Não consegui fazer nada, além de ficar ali e ver, e de presenciar cada segundo.
Cada vez mais longe, senti-o partir-se de mim. Era fisico. Um membro essencial perdido; para sempre?
Não sabia. E o medo corroia-me. Poucas vezes senti um tal medo tão fisico e denso. Poucas vezes tive algo tão grande e importante a perder. No instante que notei, conscientizei-me de mim. De minhas extenções e intenções.
Sempre me achei alguem fora do padrão. Só então vi quão padronizada sou. Apenas uma garota. Só uma humana. Falha. Imperfeita. Desejosa. Ardente. Fria. Pensante. Passional. Emocional. Lacrimosa.
Sem nem mesmo perceber, deixei a pressão escorrer. Lagrimas, limpas e pesadas, eram gotas de medo, apenas uns pedaços de minha aflição.
Acanhada a um canto, sozinha. Apertada em medo e dor. Esquecida no clarão cego do sol. Olhei para cima. O céu azul afrontava-me. Limpo. Alegre. Ameno. Odiei-o. Como podia?
Fiz então medo em raiva e transformei dor em irritação. Explodi. Levantei-me unica, segui em frente comou m pequeno furacão; sou uma confusão ambulante. Ladeada por elas, sorri-lhe. Ele por sua vez mal notou-me, eu por minha vez ignorei-o então.
A dor e o medo escondidos por trás de um sorriso. Sabia que não livraria-me do medo, ou da dor. Tinha consciencia de que não era forte o bastante para lutar contra o sentimento quente que crescia em meu peito. Mas alivia-me saber. Sou forte o bastante para esconder dos olhos do mundo.

Primeiro de abril

Olhei para o céu, e a noite me era igual aos olhos, mais uma noite como todas as outras. Entrei no carro e liguei o som, uma música qualquer em uma rádio qualquer. Encostada a janela olhava os carros passando rápidos, as luzes movendo-se velozes. Alheia ao mundo concentrava-me em apenas ver, ver as árvores ficarem para trás, ver os fios passarem rápidos, ver a noite.


O telefone tocou uma, duas vezes, até que o atendesse, a voz do outro lado, fria, distante, uma sineta de alerta despertou em minha cabeça. Ansiosa olhei para minha mãe que dirigia. Tensa, entreguei-lhe o aparelho. Estava paralisada de medo, anseio, terror. Embora negasse veementemente eu sabia o que havia acontecido. Negava na esperança de acalentar meu coração aflito. Mas eu sabia, no fundo, era apenas uma mentira, mais uma que eu acrescentava a centenas de outras que contava para mim mesma constantemente.

Suspirei e olhei para ela. Pálida, gelada, o choque tirou-lhe tudo. As lagrimas escorriam silenciosas pelos olhos gritantes. Em um entendimento mutuo, acompanhei-lhe as lagrimas, e acrescentei-lhe os apelos. Meu mundo tornou-se negro. Cega pela dor que não sabia possível. Senti meu coração paralisar de medo e dor. Ouvia minha própria voz clamando, sem ter a noção das palavras que dizia. Tudo era apenas um borrão.

A mais nítida imagem a minha frente. Um rosto flutuante na noite. Um rosto calmo e paciente, tão bondoso. Apenas ele, que me dava tanto amor, e força. Como o mundo poderia continuar sem ele? Naquele momento odiei toda a felicidade.

As mãos tremulas dela, seguraram as minhas frias. Por aquele momento, a razão voltou-me aos olhos. Pedi força para continuar. Abateu-se então o pesado cansaço do sofrimento, e senti-me carregando o mundo.

Ao olhar para o lado, encarei os olhos mudos do mais puro sofrimento e percebi então que era ela quem precisava de mim. De filha virei mãe de minha mãe. E as lagrimas secaram. E o sofrimento guardou-se. E as angustias esconderam-se. E restou-me a plácida calma, serena e tranquila.

O carro parou, saltei. Abracei-a fortemente em meu peito. Como se pudesse protegê-la do mundo e de si mesma. Como se sobre minha proteção nenhum mal e sofrimento pudesse atingi-la. Entramos juntas em casa, de mãos dadas. Subimos juntas, e deixamo-nos a sós. A água do chuveiro batia forte em meu rosto, sem contudo, que eu pudesse senti-lo. O vapor enchia-me os pulmões, sem que eu o sentisse. Apenas borrões e lembranças passavam por mim. Sozinha em meu quarto, agarrada ao velho urso de pelúcia chorei a falta de meu heroi. Tão grande, majestoso, e agora fisicamente não mais que nada. Sabia em meu intimo que ele não me deixara. Prometerá-me que ficaria sempre comigo. A certeza de que ele cumpriria sua promessa era-me cega. Ouvi os passos perdidos de minha mãe. Levantei e arrumei a mala. Arrastei-a pelo casa até o sofá no qual minha mãe mantinha-se estática, encolhida a um canto lendo. A dor de vê-la corroeu-me por dentro. Meu instinto de mulher, de mãe, aflorou-se, sentei-me ao lado dela e abracei-a. Ela aconchegou-se a mim, satisfeita pelo carinho. Passou a ler uma oração,e enquanto lia, senti-a se acalmar. Ficamos em silencio. Esperando apenas. Juntas.

O barulho da porta abrindo preencheu a casa. Os sons calmos de meu pai e irmão, acalmaram-nos. Eles chegaram, arrumaram-se e nos partimos. No carro, o silencio dominava-nos. Cansados, exauridos pela dor e sofrimento. O radio cantava sozinho, sons que não conseguia entender. O sono foi mais forte, e os pensamentos tenebrosos passaram, e o sofrimento acalmou-se, e tudo transformou-se em sonho. Dormi.

Acordei já a porta do prédio de minha avó. Entramos no hall, o porteiro quieto, um ar mórbido acompanhava-nos. Um estranho cortejo fúnebre passeava em minha família aquela noite. Estranhamente, éramos sempre alegres e festivos demais, não naquela noite, não.

Entramos pela porta sempre aberta da cozinha. Costume de família, ninguém usa a porta da frente, embora não tivéssemos seguido a tradição seguinte, gritar chamando minha nona e nono. Entramos quietos. Sussurros de conversas plainavam pela sala iluminada. Seguimos rápidos para minha avó, preocupados e ansiosos. Tão pequena e frágil, tão indefesa, e mesmo assim tão indefensível. Que poderíamos dizer-lhe que já não soubesse? Como acalmar e acalentá-la? Olhei-a tristemente, abracei-a apertado, e deixei-a aos cuidados de minha mãe e tia.

Do outro lado, meu primo e madrinha estavam sentados, olhando todos atentos. Sentei-me com eles, e aos poucos um sentimento de conforto foi preenchendo-me.

Sempre os mesmos gostos, a mesma fome por saber, sempre a conversa calma e deliciosa. Música, filmes, livros, histórias. O jeito boêmio de ser, outra tradição de família. Sorri com o pensamento, um sorriso fraco, mas ainda um sorriso. Gostamos de tradições, pensei. Vovô estabeleceu varias delas. Sorri abertamente com a lembrança.

Peguei o pote de balas e coloquei-o próximo de nós. E entre conversas e balas e papeizinhos amontoados e reclamações de nossas mães as horas passaram.

A temida hora foi se aproximando. Celulares tocando, exigências sendo feitas, e a tensão voltou. “O corpo já chegou”, disse uma de minhas tias. Odiei-a na hora, quis gritar com toda a força, “É MEU AVÔ, NÃO O CORPO”, mas bastei-me de secar as lagrimas que escorriam insistentes. Refugiamo-nos, eu e meu primo na cozinha. A garrafa de café muito bem instalada entre nós. E aos poucos a conversa voltou. E a aparente calma tomou-me novamente. “Depois de fumar a melhor coisa é um cigarrinho”, comentou levianamente meu primo. Concordei com a cabeça. Queria muito um cigarro. Sentir a nicotina entrando, e acalmando-me. A vontade e sede por um tubinho branco com tabaco cresceu-me. Mas antes que pudesse dizer algo, minha tia entrou na cozinha e anunciou: “Está na hora, vamos temos que levar sua avó.”.

Apática, levantei-me segurando o braço de meu pai. Descemos o elevador, entramos no carro e seguimos para o velório. Subi a rampa firmemente segura pelos braços de meu pai. Simplesmente não conseguia mais barrar a dor que havia acumulado-se. Meu coração batia fraco, dolorido, sentia cada pulsar. Cega pelas lagrimas. Surda pela dor. Muda de sofrimento. Guiada pelo abraço protetor de meu pai, segui em passos trêmulos. Mal conseguia manter-me de pé. E aos poucos aproximei-me do caixão. Uma bola de dor enroscara-se em minha garganta. Meus pensamentos confusos iam e vinham, passado e presente, sem no entanto, apegar-se a nada. O mundo era só um borrão novamente. As mãos fracas de dor agarraram-se calejadas as roupas de meu pai. Enterrei a cabeça em seu peito e chorei. Chorei toda minha dor. Chorei todo o meu sofrimento. Chorei. E deixei chorar. E a cada lagrima, minha dor diminuía, e meu sofrimento acalentava-se. E quando as lagrimas esgotaram-se, levantei os olhos brilhantes, ainda sofridos, da camisa encharcada de meu pai. Encontrei seus olhos piedosos e compreensivos. Ele passou a mão por meus cabelos e me confortou em seu abraço. Chorei mais. Chorei até que apenas restasse a saudade. Chorei até que a força me voltasse. Chorei até que a razão se estabelece-se. E então, ao final de todas as lagrimas. Virei meu rosto e olhei-o.

Plácido e calmo, como há muito tempo eu não o via. Os olhos fechados. As mãos cruzadas no peito. Vestido com terno e gravata. Lembrei de como ele costumava ser bonito e impotente. Era uma figura e tanto. Tão engraçado, sempre com uma piada ou uma canção a fugir-lhe dos lábios. Conhecia todas, é claro, mas ria incansavelmente a cada nova, e repetitiva, rodada. E lembrei de mim, pequena, com ele gigante ao meu lado, ensinando a montar e selar um cavalo com o triplo de meu tamanho. E das balas sempre presentes em seus bolsos. E do riso doce. E das manias irreverentes. E dos carinhos cansados. E da fala mansa. E da musica do velho acordeom italiano. E das cantigas. E das loucuras. E de me por no colo para guiar. E de me ensinar a levar o gado para a mangueira. E de me ensinar a subir nas árvores. E a pegar galinhas. E me contar histórias. E me dar coragem para não ter medo do escuro. E me por para dormir. E abraçar. E me beijar. E conversar comigo. E brigar comigo. E discutir comigo. E estar comigo. E não consegui segurar o riso. Pois estar com ele e não sentir-se viva era tão impossível quanto não fechar os olhos para o sol de meio dia.

Contra todas as expectativas e suspeitas, ao fitar aquele rosto tão conhecido, as lagrimas escorreram acompanhadas de um cortejo sorridente e alegre. Ri de suas maluquices, ri de sua falta de juízo, ri de sua alegria em estar vivo, ri de suas histórias, ri de suas piadas, ri.

Percebi então sua presença ao meu lado, cuidando de todos nós. A calma invadiu-me como nunca antes naquela noite. Uma paz que eu não conhecia ha muito tempo. Minhas mãos duras de tanto segurar fortemente meu pai foram soltando-se. Fui desfazendo o abraço apertado dele e apertando-me a mim. Guardando-me para mim.

Com passos lentos aproximei-me dele sem tocá-lo, não conseguiria, tocá-lo era a confirmação física presente de sua ida, e ainda não estava preparada para encarar aquilo. Calma sorri-lhe e sussurrei-lhe adeus. Meu primo a meu lado abraçou-me, e eu abracei-o, ficamos os dois abraçados, apenas olhando-o, e nos lembrando.

Levantei os olhos e vi minha pequena avó. Sozinha, alheia ao mundo. Não pude conter-me, soltei-me de meu primo e com passos rápidos, quase correndo ajoelhei-me perante minha avó. Segurei-lhe bem firme as mãos, e fiquei ao seu lado. Apenas fiquei. Falávamos as vezes. Palavras soltas. Comentários vazios. Permaneci ajoelhada até que meus joelhos doessem, e continuei ajoelhada até que a dor passasse. Não sei quantas horas fiquei ao lado dela, sei apenas que não a deixei por nada. “Estou com sede”, murmurou-me depois de muito tempo. Os olhos bagos, vagos, sem vida. Apiedei-me dela como nunca. “Ela perdeu o amor da vida dela”, cafona, brega e clichê, mas a verdade mais pura que pensei em toda aquela noite. Levantei-me precariamente, com os joelhos doloridos. Andei apressada, com receio de deixá-la muito tempo só. Mas não consegui ir tão depressa quanto gostaria. Tios, tias, primos, primas, parentes. Perguntavam como ela estava. Ansiosos e preocupados com nossa pequena matriarca. Respondia-lhes apressada e seguia em frente. Voltei com a água.

“Eu estou sozinha”, disse para ninguém em especial.



“É claro que não”, devolvi-lhe, “Olhe quantos filhos, quantos netos, irmãos, não a deixaremos sozinha, nunca”

“Eu não tenho mais o Lando, eu estou sozinha”, insistiu quase como se não houvesse me ouvido

Naquele instante percebi o quão sem chão ela estava. Sua vida toda praticamente fora dedicada a ser a mulher do homem deitado ao lado. Eram casados há 56 anos. Mais que o triplo de minha vida. Eu a amo tanto, e o fato de não poder oferecer-lhe nenhum conforto machucou-me profundamente. Levantei-me novamente. Beijei-lhe as faces e deixei-a aos cuidados de minha mãe. Segui para junto de meus primos, e pela primeira vez na noite olhei as horas. 1:00 piscava no visor de meu celular quase sem bateria, que com um bip agudo desligou-se. A hora tardia, ou o fato de ter sentado e relaxado, eu não sei, mas apenas meu estomago resolveu pronunciar-se. Um de meus primos, ofereceu-se para levar a mim e meu irmão para comer. Chegamos, comemos, partimos.

Subi novamente a rampa. Instalei-me próxima a minha avó. Eram quase duas da manha. Minha mãe e minha tia persuadiam minha avó a voltar para o apartamento, descansar e dormir. Levaram-na dali. O lugar estranhamente mais silencioso, mais pacifico, mas ainda sim, mórbido e pesado. “Será uma longa noite”, pensei. Pela primeira vez deixei que meus pensamentos vagassem soltos. Meus olhos passaram pelas paredes brancas sem focar-se a nada. Nem mesmo uma idéia rodeava-me a mente. Desci a rampa e instalei-me no abraço reconfortante de meu pai. Era uma roda de homens, meu padrinho, meus tios, meu pai. Conversavam sobre alguma coisa que não dei atenção, assim como eu e meu primo tentávamos fazer antes, eles discutiam apenas para se distraírem.

Sentia-me confortável e acolhida nos braços de meu pai. Deixe-me levar. O cansaço e o sono começando a ganhar. Minha madrinha aproximou-se bondosamente, e abraçou-me. “Venha, vamos dormir em casa”. Deixe-me levar por ela, uma mãe carinhosa que entendia minha dor. Conversamos. Sempre me dera bem com ela. Uma professora de português. Chegamos na casa conhecida. Sentei-me com ela no sofá e conversamos. Meu primo chegou com a namorada. Lembramos dos antigos tempos. Não vi o tempo passar. Não vi nada. Apenas deixei-me levar pelo clima ameno e aconchegante. Como sentia falta daquilo. De meus primos. De minha família. É tão bom estar com eles, tão natural.

“São 5:30 da manhã”, anunciou meu primo. Minha madrinha levantou-se esbaforida. Entrando casa a dentro, pegar fronhas, arrumar lençóis. Timidamente entrei no quarto dela e de meu tio. Ela bondosamente estendeu-me um pijama, e me mostrou onde dormir. O lado esquerdo da cama. Coloquei o pijama e deitei-me. O calor, o cansaço, o sono, a dor, o escuro, o conforto, até mesmo a musica baixa, colaborou para que eu dormisse. Cai em sono profundo, deixando-me arrastar para as profundezas de minha mente sem sonhos. E eu pude descansar em paz. E tudo não passava de um longínquo primeiro de abril. E o borrão do mundo tornou-se negro. E as estrelas apagaram-se. E eu fui para um lugar onde toda realidade não era nada mais que um lampejo.

Importancia

A vida é uma trama de retalhos, cada pedacinho é algo que te tocou, alguem que te amou. Costurados todos juntos, com loucura, sanidade, alegria e lagrimas, as partes formam algo tão grande que não posso ver. Além de meus olhos, no centro de tudo, no horizonte do mundo, o conjuto se torna você. Nunca estamos sós, por não sermos um. Somos todos e tudo, e assim somos apenas nós. Um pouquinho de cada um, uma partezinha de cada coisa. Unidas por um não sei o que, que torna-te você, que torna-me eu, que torna a união de nois dois.

Como as areias da prais levadas pelo vento. Misturamo-nos todo o tempo de modos e jeito novos e impossiveis. Traçados de tipos unicos e inigualaveis. A beleza está na confusão formada. Risos e gritos. A irreverente maneira de viver. O incontrolavel jeito de ser. O delioso modo de viver. Eles me formam, e eu os formo. Não poderia ser eu sem eles, como eles são poderiam ser sem mim.

Mas mesmo assim, ao final da noite, vendo o sol levantar-se uma vez mais. Toda a trama desaparece sob seus olhos. E no fundo da alma, só importa o resultado. Em um dia de verão passado na cama ao lado, não vejo ou sinto alem da pele, e a trama do mundo some sob meus olhos. E ao final do dia, mudados estamos.

Luto


Para que dizer alguma coisa, enquanto meu coração permanece mudo?

Parece mentira, mas aconteceu de verdade. Um segundo ele estava aqui, e no outro não estava mais. E o grande heroi foi-se para sempre. Sinto verdadeiramente que ele ainda está ao meu lado. Mas é só, eu sinto, mas não vejo ou toco, não há o que ver ou tocar.
Ele era o maior. O meu segundo pai. E dentro de meu coração continua sendo. Mas eu estou em choque, de corpo e alma. Antes, via tudo de cima, como se não acontecesse comigo. Agora, não sei direito o que aconteceu. Não tenho certeza de onde ou quando estou.

01/04/2010 - Orlando Francischinelli

Descance em paz vovozinho. Nos te amamos muito.

Luto!

Não sou jornalista esportiva, de fato. Mas, creio eu, que todo grande jornalista merece ser reconhecido, e mais, merece uma homenagem em vida e outra na morte. Em vida ele teve seus premios e reconhecimento. Agora na morte, também.
Armando Nogueira foi o pai da cronica esportiva. Mostrou que poesia também se faz na bola, no esporte. Criou o jornalismo na Globo. Escreveu para grandes jornais. Descobriu grandes talentos, e muito mais.
Mas, mais que tudo isso, emocionou ao escrever belamente sobre o futebol. Não é preciso ser gênio para ver que futebol foi transformado em arte até mesmo nas palavras, mas foi preciso um gênio para faze-lo.
Ontem o jornalismo brasileiro sofreu uma enorme perda. Hoje, acordamos com luto e lagrimas. Apenas com o consolo de sua obra imortal e de suas tiradas eternas. Afinal quem nunca ouviu falar que Garrincha é um anjo de pernas tortas? ou que Pele se não tivesse nascido gente, teria nascido bola?

1 minuto de silencio pelo grande mestre do jornalismo esportivo. E uma salva de aplausos por tudo que ele humildimente nos deixou de lembrança.

Saudade

Porque se um dia, eu chegar bem de mansinho e te abraçar bem forte, não diga nada, que eu apenas sinto saudade de te ter bem por perto. Pra lembrar das horas e das tardes perdidas em nada. É apenas saudade, nada mais.

Pecados

Ela enroscou-se mais confortavelmente nos lençois e espreguiçou. Logo cedo de manhã a preguiça tomava-lhe as ações. Virou na cama e puxou o telefone. Seus dedos treinados discaram e esperaram.
"Um xícara grande de café, um muffin de chocolate, o jornal do dia e um maço de cigarros", pediu maquinalmente com a voz barga de sono. Deixou que o braço desliza-se para fora da cama e pos o fone no gancho.
Ao seu lado sentiu-o mexer-se. A mão grande enlaçou-a pela cintura, puxando-a para perto. "Não é possivel que ele queria de novo", pensou maliciosamente. Ele começou a beijar-lhe o pescoço e puxou-a para mais perto. Ela riu cruelmente enquanto afastava-o sem cerimonia, empurrou-o da cama, e levantou-se.
Andou nua pelo quarto, não importando-se com o olhar dele, que comiá-a viva. Vergonha era um sentimento que não possuiá. Caminhou lentamente, deixando que o corpo magro e macio aproeitasse o contato delicado do sol que entrava pela janela. Riu deliciosamente com o gemido contido que ele tentou abafar. Adorava torturá-lo lentamente. Entrou no banheiro luxuoso e vestiu-se com robe de seda pura.
Voltou para o quarto e olhou intrigada para o homem parado no meio do quarto, ele olhavá-a ansioso.
"Vá embora? Não ve que estou ocupada?", disse indiferente, empurrando-o para fora.
Voltou para a cama e jogou-se sem cerimonia. Os longos cabelos espalhados pela confusão de lençois, o corpo pequeno perdido na cama muito grande. Suspirou cansada e aninhou-se no meio dos muitos travesseiros. Uma suave batida na porta adentrou o quarto grande.
"Entre", ela respondeu entediada. Timidamente entrou pela porta uma garota mirradinha. Uma criada de quarto particular. "Uma das vantagens da suite presidencial do plaza", pensou satisfeita. A garota colocou sobre a cama uma bandeija de prata com seus pedidos e seguiu para arrumar a suite.
Avidamente jogou-se em direção ao maço de cigarros. Após abastecer-se sufientemente de nicotina, voltou-se para sua segunda droga prefira pela manhã. Cafeína. Recostou-se na cabeceira da cama, com o cigarro pendente nos lábios vermelhos, o café instalado em uma das mãos e o jornal bem seguro na outra.
"O som", murmurou irritada para a garota, essa rapidamente ligou o aparelho, que lançou por todo o ambiente uma suave musica dos anos 50.
Suspirou satisfeita e voltou sua atenção para o jornal.  Com o corpo bem guarnecido de cafeína e nicotina, colocou a mente para trabalhar com as informações do dia. Pousou a xícara fazia na bandeija e apanhou o muffin. Jogou o jornal a um canto e tragou demoradamente o cigarro. Espalhada pela cama pos-se a pensar. Adorava seu trabalho, podia fazer a maior parte bem ali, deitada gostosamente na cama, apenas pensando. Enquanto suas ideias fluiam a mil, seu corpo sequer mexiá-se. O maximo que fazia era tragar e soprar a fumaça. O silêncio quase absoluto do quarto ajudavá-a a se concentrar.
Quando o maço de cigarros acabou ergueu os olhos para o relógio, 10 horas da manhã. Bocejou cansada e pegou o telefone. " Um maço de cigarros e uma xícara de café grande", disse rapidamente. Levantou desperta e sentou-se a frente do laptop. Coemçou a escrever avidamente. Não preocupavá-se nem em ler o que escrevia, sabia que estava certo, o habito transformará o ato em sua segunda natureza, como respirar ou o pulsar do coração. A mais, sabia que estava excelente, era a melhor em seu ramo.
Não tirou os olhos da tela quando a criada chegou com o café e os cigarros. Simplismente esticou a mão e levou a xícara a boca e acendou o cigarro. Ao terminar encaminhou para o editor.
Deixou a mesa de trabalho com a xícara vazia, pegou o maço de cigarros meio vazio e foi para o banheiro onde um banho de banheira meticulosamente preparado a esperava. Passou as duas horas seguintes preparando-se. Escolheu e separou as roupas e sapatos certos. Maquiou-se demoradamente. E ao final postou-se frente ao espelho extremamente orgulhosa de si.
"Espelho, espelho meu, existe mulher mais bela do que eu?", disse ironicamente para o espelho, sorriu com a brincadeira de criança virou-se e seguiu porta afora. "É claro que não", respondeu mentalmente.
Na porta do hotel, seu pequeno carrinho amarelo a esperava. Sorria internamente, satisfeita. Sabia que todos os olhares estavam voltados para ela. Os homens olhavam-na admirados, pela beleza, pelo carro, pelo poder. As mulheres encaravam-na raivosas, invejando tudo o que possuia.
Entrou no carro e sorriu confiante. O celular vibrou. No visor, duas novas menssagens. A primeira do chefe, "excelente, como sempre", a segunda dele, "eu quero você". Não respondeu nenhuma das duas. Era claro para ela que eles a queriam. Era claro para ela que seu trabalho era o melhor. Ela é a melhor.
Sorriu e acelerou. Tinha um carro, uma rua, e centenas de possibilidades

Conto... de fadas!

Na janela enfeitada, lindamente ela esperava.
Lá de dentro seu pai, o Conde, chamava.
Tão linda, Tão bela, tinha logo era que se casar.
Dizia o pai, implorava a mãe, e a menina não.
Com o cavalo, e o cão de companhia, pelos pastos a trotar.
Acabou entrando na floresta, para nunca mais voltar.
Perder-se do lugar, de proposito foi buscar.
Um vale, um monte, um horizonte.
Para dar-lhe estrelas, e uma aventura eletrizante.
Sabia tanta coisa, casar então, pra quê?
Reclusa no fundo da floresta ela viveu.
Cercada de beleza, ela aprendeu.
Aprendiz de feiticeira ela virou, e uma bruxa má enfeitiçou.
Entre suas aventuras, um principe dormindo encontrou.
Numa torre de vidro abandonada, por um dragão guardada.
Mas o dragão era poderoso, e ao principe ela não prestou socorro.
Fugiu para longe indo até a velha feiticeira.
Num sonho magico de uma terra encantada.
Provou bravura, coragem e destresa.
Os pensamentos sempre amados, no principe deixado.
E durante uma tarde, no caminho para a cama.
Sangrou pela facada de um amor.
Adormecida ficou, angustiando de dor.
3 dias e 3 noites ela chorou.
Ao despertar, o cão ela chamou e no cavalo ela montou.
Seguiu bravamente por um caminho descontente.
Lobos e medos ela passou, até a torre chegou.
O dragão dormia calmamente, em um céu de estrelas cadentes.
A epica batalha começou, quando o dragão acordou.
A filha do conde pelo principe brigou.
E o filho do céu pelo prisioneiro retesou.
Por um momento o dragão impressionado, foi descuidado
E a Condessa então, furou-lhe o coração.
O dragão subjulgado, não morreu, e virou seu criado.
Com sentimento contente, subiu ao principe e beijou-lhe ardente.
Desperto ele tomou-a nos braços e beijou-a novamente.
Sorriram juntos, deitaram juntos, amaram juntos.
E ao amanhecer cavalgaram e amaram.
E riram e conversaram.
E conheceram-se e apaixonaram-se.
E ao fim do dia quando o sol foi-se, levou-o junto e acabou-se.
Restaram as lagrimas e as andanças.
No coração puro e apaixonado da jovem criança, no ventre levava a lembrança.
Do amor e do ardor, de uma paixão.
Da vida e da dor, de um coração.
A a jovem condessa ao castelo retornou.
Beijou os tumulos de pais que amou.
Beijou o tumulo de marido ido.
Beijou o berço de filho querido.
A história da condessa, ao povo contou
Que o marido querido ela despertou
Ele partiu e a ela o filho ficou

Fim

Partido

Dobrou cuidadosamente as páginas e colocou-as de lado. Deixou-se cair ali, em meio a profusão de almofadas. Não via o teto. Não via a janela, nem via o céu. De olhos fechados via apenas ele. Suspirou e riu. Ria de si mesma. Ria de sua tolice infantil. Ria sobretudo do sentimento ingenuo que nascia e crescia a cada leitura, a cada olhar a cada sorriso.
O celular começou a tocar insistente a seu lado. Ignorou-o. Sabia quem era, e ainda mais, sabia que não era quem queria que fosse. Ele não ligava, nunca ligava. Apenas o outro, sempre o outro. A musica programada para o número dele tocou novamente. Resignada, atendeu, mecanicamente.
Ele sempre lhe ligava, tão atencioso. Sorrindo, brincando, fazendo-a rir. Eram tão parecidos em certas coisas. Tão proximos. E distantes. Ele não a fazia imaginar e sonhar como o outro. Não a fazia suspirar e desejar. Estavam juntos a três semanas, e mesmo assim, era naquele que seus labios nunca havia tocado em quem pensava, com quem sonhava.
E já estava sonhando acordada de novo. Com ele de novo. Desligou o celular e jogou-o a um canto. Sairia com ele, novamente. Já esperava por aquilo. Afinal saiam juntos sempre. E seria outra noite perdida entre beijos e sussuros, para adormecer pensando em outro.
Esticou o braço e pegou novamente as folhas de papel. Os textos, os poemas, os contos, as palavras, as virgulas e os pontos. Tudo transmitia-o inteiramente. Eram, cada uma das linhas, uma confissão de si mesmo. E a cada confissão dele, ela apaixonava-se mais. E a cada conversa rapida pelos corredos, ela apaixonava-se mais. E a cada sorriso de longe. E a cada troca de olhares escondidos. Sua imaginação voava levada pelas ideias de um. Seus braços agarravam-se levados por beijos de outro.
Seu pobre coração esmigalhado, só deixava-se levar, desejando acima de tudo, juntar dois homens em um só. Consiliar as ideias aos braços. E beijar os labios daquele que a faz voar. E voar nas ideias daquele que a faz beijar.
O celular tocou novamente. Era ele. Bufou irritada, sempre ele, na hora errada. Brigaram. De novo. Por um outro motivo bobo. E acertaram-se novamente. Por um beijo ardente. E ao deitar de noite sonhou com letras, versos e prosa de uma presença ausente.
Largada pelas almoçadas, deixava o vento bater-lhe a fronte. Levar embora a confusão, e clarear-lhe a decisão. Pesava. Sentiá-se traindo. Aos dois. Sentiá-se suja. Estar com um enquanto sonhava com o outro. Querer um enquanto a mente entregava-se a outro. Tão diferentes entre eles. Tão parecidos com ela. A confusão dentro dela tão grande. Espremida no peito por tanto tempo. E por não aguentar mais. Uma gotinha de dor escapou, e foi escorrer rosto a fora, brincar com o vento e dançar-lhe nos lábios. O gosto doce e amargo da incerteza.
A campainha tocou. Devia ser ele. Vierá buscá-la para saírem. Levantou-se, deixou as almofadas, companheiras consoladoras, e parou frente ao espelho, inimigo revelador. Os olhos inchados. O nariz vermelho. A boca brilhando. Estavam todas ali, as evidencias de um sofrimento contido. Escondeu-os com maquiagem. Arrumou-se, pegou a bolsa e saiu.
Saiu para ver que se enganara. Não era um e sim o outro. O coração disparado a porta. Congelada pela surpresa de ve-lo ali. Marcado tão claramente pelos mesmo sintomas de sua doença. Ele sorriu ao ve-la. Sempre sorria. Delicadamente ergueu a mão e tocou-lhe o rosto. Secou-lhe uma lagrima. Ela riu, não escondera tão bem assim os sinais de sua luta.
Cegos e sem direção, os corpos de aproximaram. Inexperientes nas mãos um do outro. O primeiro toque. O primeiro sussurro. E ao estar bem perto (podia mesmo ver as ruginhas dos olhos, os cilios bagunçados, as pintinhas no olhar) fechou os olhos em uma alegria muda. E em uma esperança sussurante, os braços e lábios experimentaram juntos voar. E acompanhar as mentes que seguiam adiante.
Agarrada as letras, aos lábios e ao homem. Voou.

Idade

Não importa o que digam, não há idade para nada.
Não há epoca para brincar de pega-pega, ou limite pra fantasiar-se e correr.
Porque não tem idade pra deixar de ser criança.  Na verdade não há idade pra deixar de ser nada. Podemos ser tudo o que quizermos na idade que quizermos.

Idade é só um número, e da vida, o que entendem os números? Nada além de nada. Clarisse disse : "a vida ultrapassa qualquer entendimento". Pois é claro, viver não é entender, é sentir, é ser.

Eu vou brincar de pega-pega e esconde-esconde, sim. Vou correr na chuva. Pisar com os pés no chão. Deitar na grama e ver estrelas. Vou sonhar com bruxos e dragões. Viver na imaginação. Vou me fantasiar de princesa e salvar o meu principe.

Vou brigar com o mundo. Vou defender meus ideais. Vou dizer o que penso e o que quero. Vou dizer 'te amo' e não ter vergonha do que sinto. Vou fazer e querer. Vou achar corrupção imoral. Vou querer mudar o mundo. Vou achar futil e vou achar inutil.

Não quero saber de só sexo. Não quero ouvir em funk, sertanejo e pagode. Não gosto de pegação e balada. Tenho 80 anos mesmo. Prefiro ler um livro, tomar café e ouvir música boa. Deitar na rede, ali na varanda e ver as nuvens passar. Brincar com o cachorro, rolar no chão com  meu priminho. Ficar suja de terra e tomar banho de chuva. Tenho 8 anos mesmo.

Sair com meus amigos. Beber. Fazer besteira. Sair de noite, voltar ao amanhecer. Durmir o dia todo, acordar ao entardecer. Ter ressaca todo dia. Estudar até enloquecer. Me revoltar com a sociedade, é só querer. Trabalha de segunda a sexta, outra obrigação a perder. Enloquecer e esquecer da vida, de tudo. Tenho 18 anos mesmo.

Não tenho idade. Tenho altura de uma criança. O rosto de uma adolecente. A moral de uma velha. A cabeça de uma adulta. Sou a noiva do frankenstein. Formada por pedacinhos dos outros? Pedaçinhos de eu mesma, que cresci num mundo louco. Integrada por epocas distantes, diferentes. Tudo junto e batido dentro de uma cabeça confusa.

Por isso eu digo : vou brincar de pega-pega até o sol nascer e ir pro bar beber até a noite chegar. Porque a noite é uma esperança, que o vento não consegue calar.

Vergonha

O céu escurecia lentamente, e como um enxame de vagalumes, as estrelas acendiam no céu violeta. Umas poucas nuvéns brincavam no céu, arrastadas pela brisa que refrescava-os. Estavam sentados, deitados, espalhados por ali.
A fumaça do cigarro espalhava-se por dentre eles, sem que se importassem. Estavam acostumados. Todas as noites, as mesmas únicas noites. A mesma companhia sob o mesmo lugar. Mas nunca uma noite igual.
Deitada com a cabeça no colo de uma amiga ela ria, seu riso infantil era quase uma gargalhada,  dessas incontrolaveis. Ela ria, com os amigos, dos amigos, de tudo. E todos riam dela, e com ela. Eram amigos. Viam-se todas as noites sob o mesmo céu estrelado.
Inquieta parou de rir. Sentou-se bem reta. Admirando concentrada algo a sua frente. Os amigos riam e tentando chamar sua atenção. Aerea voltou-se para eles, sorria desconcertada, como quem pede desculpa. Envergonhada de um pensamento só seu, temendo que eles pudessem percebe-lo.
Ainda sentada, ainda olhando quase fixamente.
Tão destraída estava. Tão concentrada em uma ideia distante. Mal percebeu o movimento as suas costas. Sequer notou até que um sussurro quase calado a fez virar-se.
"Você é linda", disse. Era apenas um mover de lábios. Ninguem notou. Ninguem ouviu ou percebeu.
Apenas ela. A distração que domava seus olhos foi substituida pelo espanto.
Ficou-se rapidamente. Confusa, espantada e sobretudo vermelha.
O rubor tingia-lhe as faces naturalmente rosadas. Era impossivel esconder ou disfarçar. Estava completamente vermelha. O riso explodiu ao seu redor. Tornando suas faces, já vermelhas, escarlates. Cobriu o rosto com as mãos, numa falha tentativa de esconder-se.
Ergueu os olhos em um misto de irritação e vergonha. Os olhos verdes encaravam duramente os castanhos.
"É tudo sua culpa", sussurrou para ele. Apenas conseguiu que ele sorrisse mais e mais abertamente que antes. Era como se sentisse um certo prazer em vê-la daquele jeito. Encabulada e sem saber o que fazer.
"Só disse a verdade", sussurrou de volta em resposta. No apice de sua vergonha e irritação, levantou-se com impeto e saiu rapidamente, deixando para trás rostos confusos e um sorriso satisfeito, que pós-se logo a segui-la.
Estava completamente inconformada. "Quem ele pensa que é para fazer isso?", sua cabeça rodava com o pensamento e com as parcas palavras sussurradas. No todo, não havia sido nada demais. Mas, para ela, não era assim.
Sentou-se confusa no banco. Incorformada. Deitou-se e olhou para o céu. As estrelas piscaram-lhe indiferentes. Não sentia-se linda. Não considerava-se feia. Mas achava-se longe do linda. Era feliz sentindo-se normal. Afinal, qual o problema de ter uma beleza comum? Nenhum.
Sua curiosidade, embora, não deixasse-a em paz. Se era assim tão comum, porque ele chamará-a de linda? "Aos olhos dele devo ser." Respondeu-lhe satisfeita uma parte de sua cabeça. "Não basta, ele teria dito bela", retrucou racional o outro lado. Sentou-se confusa, apoiando as mãos na cabeça. Seus pensamentos rodavam velozes. "Porque me abalei tanto com o ELE disse?". Tentava, desesperadamente, achar uma resposta, qualquer resposta.
Não percebeu quando ele sentou-se ao seu lado. Não notou quando ele olhou-a demoradamente, analisando cada gesto. Apenas vio-o quando ele envolveu sua mão com as dele. Encarou-o seriamente. Tentava achar as respostas que não conseguia. Poderiam, quem sabe, estar escondidas por trás daqueles olhos castanhos. Tão belos.
"Porque?", perguntou sussurrante em uma suplica.
"Porque é verdade", respondeu lentamente. "Você não vê?", perguntou desconfiado. Chocada demais para falar. Sua voz havia perdido-se em algum lugar, no meio do caminho. Acenou com a cabeça, não via. Ele olhou-a chocado. "Como não poderia ver?", pensava intrigado. Para ele era tão clara a beleza dela. A delicadeza dos traços, a força da expressão, o sorriso sincero, o olhar preocupado. Os olhos. Sobretudo os olhos. Tão claros e limpos, ao mesmo tempo profundos e misteriosos. Como o mar.
"Sou mesmo?", perguntou receosa, a voz finalmente saíndo, porém falha e vaga.
"Muito", ele confirmou serio. Ela sorriu-lhe timidamente. Estava desconcertada, sem saber o que fazer ou como agir diante daquela situação.
"Como sou tola", riu-se olhando para longe. Riu de si mesma. Era sempre tão confiante e resoluta. Sempre sabia como agir ou o que falar, e agora, ali, diante dele, parecia uma tola.
"É a tola mais linda que conheço", riu do enbaraçamento dela. "Sabe, depois que alguem te elogia, você deve agradecer", comentou fingindo-se bravo.
"Obrigada", respondeu gaguejante.
Não falaram mais. Apenas sorriram-se. Ela feliz. Ele esperançoso. Mas era desatenta demais para notar. Levantou-se agilmente. Inquieta como sempre, correu para os amigos, rindo. Sempre rindo.
Ele apenas viu-a partir. Seu sorriso já lhe acalentava o coração, e por hora bastava. Por hora.

Terror

Os corredores estavam vazis a aquela hora. Encobertos pela penumbra da hora, era tarde para o sol e cedo para as luzes. Todo o lugar assoviava uma cantiga de solidão, exalava quase um desespero.
Os passos calmos ecoavam por todos os lados. Lentos e ritmados, quase indiferentes a solidão abandonada do lugar; quase.
A pequena, tão pequena era que parecia deslocada no grande ambiente serio. Nela havia um algo de inocente, um que de infancia. Aparentava mal ter saído do doce frescor da adolencia. Estranha a todo o lugar, acostumado com rostos mais experientes.
Sentou-se num banco e puxou da bolsa um livro. Queria distrair-se da quietude do ambiente. Mal percebera o olhar atento que seguia seus movimentos. Quase não notara a sombra ao longe que se movia de acordo com seus passos.
Fosse pela hora, pelo vazio ou, quem sabe, pela suspeita. Fosse por que fosse, olhava ansiosa por cima das páginas a cada linha. Cada som, cada luz, cada suspiro. Tudo era motivo de suspeita.
Talvez fosse a fala de companhia, talvez a falta de luz, talvez um presentimento, o certo era que o medo crescia dentro de seus olhos. Suspirou profundamente, tentando tornar-se dona de si novamente. Colocou delicadamente o livro de lado e parou.
Como quem espera um amigo ou convidado, a pequena andava com seus olhos de um lado para o outro. Vigiando ansiosa. A terrivel espera deixava-a nervosa. Preferia que tudo acontecesse logo, só não sabia o que deveria acontecer. Levantou impaciente, exasperada.
Começou a andar, ia até o final do corredor, fazia a volta e seguia até a bolsa sobre o bando, onde tornava a fazer a volta e seguir até o final do corredor. Como que nada acontecesse acalmou-se. Pegou a bolsa e começou a seguir até o banheiro. Os passos firmes e seguros, porém, não unicos.
Virou-se ansiosa para o corredor, vazio. Voltou o olhar para a frente, para os lados, tudo limpo, vazio. Tornou a andar, tornou a ouvir.
O medo, antes apenas especulação, tornava-se agora concreto. Seguiu mais rapido, foi seguida mais rapido. Não atrevia-se a olhar para trás. A confirmação dava-lhe mais medo que a suspeita. Avistou não muito longe a porta. Poucos metros, a separavam da segurança do banheiro. Podia trancar-se ali. Correu mais.
Ao tocar na maçaneta, sentiu ser tocada. Uma mão grande encoberta por uma luva negra cobriu-lhe a boca.
Enquanto a outra agarrou firmemente o pulso. Levou a mão solta para a boca, em uma tentativa frenetica para gritar por socorro.
Era tarde, gritava em sua mente. As mãos em garra eram firmes e resolutas, não deixariam-se enganar pela minima força da pequena. Não a mais o que fazer, pensou. Foi arrastada, e levada. Não conseguia ver quem a levava. Via apenas por onde passava. Reconheceu salas e corredores. Escadas, praças, e caminhos.
Lugares onde descançava com os colegas, onde tinha aulas, onde passava. Antes motivos de conforto agora motivos de puro desespero.
Não soube por quanto tempo. Apenas quando parou. Sabia onde estava, conhecia cada canto e cada lugar de toda aquela universidade. Era um lugar ermo, onde raramente os alunos iam, longe de tudo.
Não adantaria gritar, ninguem ouviria, os dois sabiam disso. O primeiro sorriu, a segunda chorou.
Chorou ainda mais com a força do aperto, a dor de ser jogada no chão. As lagrimas rancorosas e carregadas de sofrimento, escorriam livremente. Pela humilhação, pela dor, pela revolta, e por fim pela aceitação. O medo tornara-se raiva. A angustia, realidade. Tudo transformado em lagrimas e soluços trancados. Agora que chegara ao fim, esperançava pela liberdade. Era tudo o que restava-lhe, e tudo que queria. Liberdade.
Ele sorriu maldosamente. Suspirou satisfeito quando viu o medo retornar aos olhos dela. Uma das mãos agarrou-se ao pescoço, enquanto a outra trazia para junto da pequena um canivete. Mesmo na luz parca a garota pode perceber o brilho da lamina.
O desespero tomou-lhe o corpo. Não queria e não podia deixar aquilo acontecer. Debateu-se, esperneou, mordeu, estapeou. Embora nada adiantasse. Embora nada mudasse a vontade de ferro da besta que crescia no inteior do homem.
Um movimento de um único golpe.
Tudo cessou, a revolta acabou, a raiva extinguiu-se, o medo silenciou-se.
Só o sangue não parava, escorrendo indiferente por uma face sem vida.

Chuva

A chuva cai, devagarinho.
Bem fininha, de mansinho.
Vem aos poucos, se aconchegar.
Num cantinho, ali ao lado, no cantar.
De gota em gota, brilhou.
Ao arcoíris, relembrou.

Foi aos poucos caíndo.
Em sono profundo persistindo.
Em sonhos tortuosos.
Nos dias chuvosos.
Só para acordar beija-flor,
em uma manhã sem sal e cor.

E rir ao contar :
Acorda sem demorar, segunda-feira é agora!

São Paulo

O carro rodava a alta velocidade, 120km\h, eu via através de mãos, braços e o volante. Deitada sobre o bando traseiro, sem mais o que fazer observava desatenta os carros lá fora, as montanhas lá fora, a chuva lá fora, o céu lá fora, as nuvens lá fora. Tudo estava lá fora, e eu continuava quieta e trancada, lá dentro.
A cidade aproximava-se devagar, quase como se pedisse licença para começar. Timidamente ela começou a crescer, e crescer. As ruas começaram a ramificar-se, espalhando pelos prédios que cresciam indominos. E de repente, sem mais ou menos ela subiu toda por cima de mim.
Subiu gigantesca ao meu redor, sem pedir licença. E lá estava ela, aos meus olhos, bela.
Os prédios subiam ao meu redor, grande e pequenos, modernos e velhos. Nada era poupado ou perdido aos meus olhos. As pessoas na rua, os grafites, a sujeira, as árvores que despontavam raramente.
O parque do ibirabuera veio e passou, com suas luzes e caminhos, e as árvores, escondendo uma neblina fina da chuva. Ocultando assim as pessoas que andavam e passevam. E então foram-se.
E a estação da luz chegou, e também passou como um trem. E a pinacoteca, e a praça da Sé, e toda a São paulo chegou a meus olhos pela janela de um carro.
Paramos enfim em uma ruazinha paralela, pequena e sem importancia. Logo ao lado de um restaurantezinho, que ficava metade pra dentro da calçada, metade pra fora, enfeitado com trepadeiras e tijolinho. E sua pequenez encantou-me. Em meio a grande cidade de pedra assustadora, estava ali um bistro charmoso e calmo.
E o dia passou, e a vida roudou, e a canção soou. E voltamos ao carro, e somos embora.
Deitei-me voltada pra rua, encarando vivamente o vidro traseiro.
E novamente a cidade invadiu-me os olhos.
E foi aos poucos diminuindo.
E foi passando e foi indo.
E ficou.

A casica amarela


Todo dia e toda noite, ao sair e ao chegar.
Lá estava ela, em beleza e charme com a flor na janela
Nunca vi a doce dama, dona da flor e cabana
Sonhavá-a todas as noites, viá-a em todas as cadentes
nas madrugadas estreladas e nas manhãs arruinadas
Passava dia, passava hora; e nada de Cora
Andava rua inteira. corria de volta a ladeira
Um dia, lencinho perdido; na frente da casica, levei-o comigo
Outro dia, ladeira abaixo; tropecei e fui ao chão
Aos pés da dama, dona do lenço e cabana
Sorriu-me e dei-me a flor; Sorri-lhe e dei-lhe amor
Juntos então somos ficar; na casica amarela morar

Café


Era uma pequena casinha, perdida assim, no meio daquela longa avenida da cidade grande.
Era pequeno e quase não se via; o pequeno café que ali se servia.
Antigo e costumeiro; os clientes já sabiam, o mesmo café de Longeiro.
Longeiro era o dono, o fazedor e o criador. Era também um estrangeiro.
Vinha de uma terra ao longe; lá pra cima, lá pro norte. Lá do monte.
Todo dia a mesma hora; a pequena entrava, embora
em seu sabor de meninice; em seu fulgor de garotice
mal se notava; o rubor rouge na face.
Delicada ela sorria; e pra baixo do balcão já corria.
Atendia paciente; cada cliente
E ao fim de um longo dia; chegava então a alegria.
Sentava ela, o Longeiro; e na cadeira aguardava
Logo, logo, o sol ia; e a lua subia
Subiam junto os vagalume pra enfeitar; o fim da tarde e comemorar!
Cai a noite e ficam então
os vagalumes a dançar, e os dois amigos a conversar
até que de um grito ao longe a menina se assuste; e até a mãe corra de volta contente.

Route 66

Vou caminhar até o horizonte.
Montar na minha moto,
violão vem junto no monte.

Seguir na estrada,
parando em casa,
de gente estranha.

Vou parar pra nada.
Viver em gandaia,
com meu violão!

Só tenho o asfalto.
Sem destino voo alto,
até raiar da canção.

Mudei o meu nome.
E assim eu vivo
na noite seguindo.
Sob as estrelas, e o som,
e só, e o violão.

Ao ver o sol crescer...
Cedo partir,
pra onde levar
o som e o ser.

Recadinho


Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Mario Quintana

 
Das coisas pesadas, desfaça-se;
Das coisas leves,  reuná-as.
Enquanto os pesadelos ateiam firme nossos pés ao chão.
Os balões nos erguem para perto das nuvens!
E de nada adiantará uma vida presa ao chão,
 que não teve a emoção de ver tudo pequenininho...
Pois dos problemas que achamos
nenhum vamos levar, daqui para outro lugar.
E apenas as coisas leve e faceis restarão
no bolso furado, de um destino acabado.
Por isso, eu passarinho!

Preciso

"Viver não é preciso. Navegar é preciso" FP

Esqueça-se de tudo que é preciso e alinhado.
Tais coisas jamais te farão vibrar, rir, chorar, emocionar, enlouquecer.
Não precisar fatos e modos nos leva a loucura da realidade.
Nós força a viver intensamente.
Saímos desenfreados da rotina, e caímos desamparados no viver.
Viver é uma loucura.
Uma doce e potente droga que te vicia.
E você só quer mais viver, e viver, e viver ...
Você nunca sabe o que pode acontecer.
Você nunca sabe em qual esquina virar.
Ninquem te conta o que dizer, quando dizer e como dizer.
Ninguem te explica o que fazer, quando fazer e como fazer.
Viver é uma aventura sem destino certo.
Viver nunca é preciso.



para um amigo querido com dificuldade na imprecisão da vida.

Melodiosa nostalgia

Nostalgia que caminha devagar

vem com o tempo, trazida pela musica
musica lá de traz, já esquecida do agora
de quando eu ainda não era uma ilusão

A sanfona range sobre o peso do tempo
A melodia suave vem
primeiro tímida, depois com vigor
embalando a todos

Lembro-me de quem sou
E com um sopro de saudade
Ajudo a melodia a transpor o agora
A voltar ao passado
São todos levados sem hesitar

Não falam, não perguntam
so se deixam ser levados

Mas a musica finalmente acaba
e com ela minha magia
todos acordam do transe
mas a pequena semente da ilusão, foi plantada

Em um mundo de horrores
a nostalgia é a melhor ilusão

Tempo

Tempo que foi criado

Tempo que não existe
Tempo que se muda
Tempo que se segue

O tempo corre e não vemos
ele escorre por nos
como se não existissemos
Ele passa cada vez mais rapido

Sem se importar
Sem ver
Sem considerar por ao menos um segundo

O tempo passa, a ilusão continua
assim como eu, que continuo a ser apenas

B.

Medos

Dizem por ae que coragem não é não ter medo, mas ter a força para enfrentar os seus lobos. É conseguir seguir em frente apesar de todas as coisas.
Sentir medo é normal, e natural. Mas isso não torna mais suportavel o sentir, o ter. Ao crescer somos obrigados a enfrentar nossos medos, e muitas vezes desistimos, sem antes mesmo tentar.
De olhos fechados com medo de ver, com o coração escorregadio entre os dedos tremulos, os passos vacilantes e incertos, passei por um grande lobo.
No começo foi horrivel, depois pior, e por fim, calmo...
O lobo havia passado, o perigo estava ao passado e então como sempre ocorre nessas horas, você percebe o quão tolo foi por ter tido medo.
Nada mais disso me assusta, agora. Crescer, Responsabilidade, Faculdade, Trabalho. Palavras que me eram temidas, hoje são acompanhantes.
Continuo tendo medo, medo de errar, medo de não conseguir, medo de escuro, medo de perder quem amo, muitos medos. Mas eu sei que tenho a força para encara-lo nos olhos, talvez fechados, e passar  por ele, talvez com apenas um ou outro arranhão, mas viva.

Apaixonada.

Não que eu esteja, não é isso. É só que eu estava lendo e bom, o assunto me inspirou. Sempre inspira, na verdade. Desde, bom, desde sempre, me interesso sobre as atitudes das pessoas, mas não as atitudes em si, pois ela pouco significam. Sempre me interessei pelos motivos. O que move alguem a fazer algo?
Depois de ler muito sobre o assunto, cheguei a conclusão que a fé, o poder e o amor, são as coisas que mais movem as pessoas. Guerras, lutas, mortes, discuções interminaveis giram ao redor dessas questões.
E de todas elas, a que mais me inspira é o amor. E de todos os amores, o puro é o que eu mais admiro.

Eu não falo sobre amar, mãe, pai, filho, irmão, familia, amigos... Falo de amar alguem, um alguem especial, aquele que te da vontade de ser mãe, mulher.

Acho que amor é aquela coisinha boba que te faz sorrir sem porque. Que te da uma dor no peito, e um nó na garganta. Amor é aquela coisinha que te diz que sozinho você é feliz, mas junto, nada poderia ser melhor.
Amor é simples, e nunca pede muito mais que companhia. Companhia é boa, e nunca quer mais que somar, e multiplicar.
Amor é aquele doce gosto de primavera, e aquela agitação carnavalesca no estomago. Porque a gente descobre que borboletas não são indigestas, e nos da aquela cosseguinhas de felicidade.
Amor quando é amor, não faz mal a ninguem, não pede, não cobra, não diz, simplismente está ali por escolha. Porque amar alguem, é poder estar em todos os lugares do mundo, e em vez disso escolher deitar no sofá e ver um filme.
Amor é brega, cafone, e totalmente cliche. E quando se ama, se quer ser brega, cafona e totalmente cliche. Porque tantos já amaram, outros tantos foram amados. E já disseram de tantos jeitos, e já ouviram de tantos jeitos. E já mostraram de tantos jeitos, e já viram de tantos jeitos. Que parece tudo igual, sem originalidade.
Mas só quem ama sabe, que um sussuro de 'te amo' vindo da pessoa certa, é todo um poema unico e novo. Só porque foi dito. Só porque existe. Só porque se ama.

Bilhetinho....

"Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."

Mario Quintana

Alice in Wounderland

"- Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
 - Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato.       
- Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.                                      
- Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato.   "
Lewis Carroll