Luto!

Não sou jornalista esportiva, de fato. Mas, creio eu, que todo grande jornalista merece ser reconhecido, e mais, merece uma homenagem em vida e outra na morte. Em vida ele teve seus premios e reconhecimento. Agora na morte, também.
Armando Nogueira foi o pai da cronica esportiva. Mostrou que poesia também se faz na bola, no esporte. Criou o jornalismo na Globo. Escreveu para grandes jornais. Descobriu grandes talentos, e muito mais.
Mas, mais que tudo isso, emocionou ao escrever belamente sobre o futebol. Não é preciso ser gênio para ver que futebol foi transformado em arte até mesmo nas palavras, mas foi preciso um gênio para faze-lo.
Ontem o jornalismo brasileiro sofreu uma enorme perda. Hoje, acordamos com luto e lagrimas. Apenas com o consolo de sua obra imortal e de suas tiradas eternas. Afinal quem nunca ouviu falar que Garrincha é um anjo de pernas tortas? ou que Pele se não tivesse nascido gente, teria nascido bola?

1 minuto de silencio pelo grande mestre do jornalismo esportivo. E uma salva de aplausos por tudo que ele humildimente nos deixou de lembrança.

Saudade

Porque se um dia, eu chegar bem de mansinho e te abraçar bem forte, não diga nada, que eu apenas sinto saudade de te ter bem por perto. Pra lembrar das horas e das tardes perdidas em nada. É apenas saudade, nada mais.

Pecados

Ela enroscou-se mais confortavelmente nos lençois e espreguiçou. Logo cedo de manhã a preguiça tomava-lhe as ações. Virou na cama e puxou o telefone. Seus dedos treinados discaram e esperaram.
"Um xícara grande de café, um muffin de chocolate, o jornal do dia e um maço de cigarros", pediu maquinalmente com a voz barga de sono. Deixou que o braço desliza-se para fora da cama e pos o fone no gancho.
Ao seu lado sentiu-o mexer-se. A mão grande enlaçou-a pela cintura, puxando-a para perto. "Não é possivel que ele queria de novo", pensou maliciosamente. Ele começou a beijar-lhe o pescoço e puxou-a para mais perto. Ela riu cruelmente enquanto afastava-o sem cerimonia, empurrou-o da cama, e levantou-se.
Andou nua pelo quarto, não importando-se com o olhar dele, que comiá-a viva. Vergonha era um sentimento que não possuiá. Caminhou lentamente, deixando que o corpo magro e macio aproeitasse o contato delicado do sol que entrava pela janela. Riu deliciosamente com o gemido contido que ele tentou abafar. Adorava torturá-lo lentamente. Entrou no banheiro luxuoso e vestiu-se com robe de seda pura.
Voltou para o quarto e olhou intrigada para o homem parado no meio do quarto, ele olhavá-a ansioso.
"Vá embora? Não ve que estou ocupada?", disse indiferente, empurrando-o para fora.
Voltou para a cama e jogou-se sem cerimonia. Os longos cabelos espalhados pela confusão de lençois, o corpo pequeno perdido na cama muito grande. Suspirou cansada e aninhou-se no meio dos muitos travesseiros. Uma suave batida na porta adentrou o quarto grande.
"Entre", ela respondeu entediada. Timidamente entrou pela porta uma garota mirradinha. Uma criada de quarto particular. "Uma das vantagens da suite presidencial do plaza", pensou satisfeita. A garota colocou sobre a cama uma bandeija de prata com seus pedidos e seguiu para arrumar a suite.
Avidamente jogou-se em direção ao maço de cigarros. Após abastecer-se sufientemente de nicotina, voltou-se para sua segunda droga prefira pela manhã. Cafeína. Recostou-se na cabeceira da cama, com o cigarro pendente nos lábios vermelhos, o café instalado em uma das mãos e o jornal bem seguro na outra.
"O som", murmurou irritada para a garota, essa rapidamente ligou o aparelho, que lançou por todo o ambiente uma suave musica dos anos 50.
Suspirou satisfeita e voltou sua atenção para o jornal.  Com o corpo bem guarnecido de cafeína e nicotina, colocou a mente para trabalhar com as informações do dia. Pousou a xícara fazia na bandeija e apanhou o muffin. Jogou o jornal a um canto e tragou demoradamente o cigarro. Espalhada pela cama pos-se a pensar. Adorava seu trabalho, podia fazer a maior parte bem ali, deitada gostosamente na cama, apenas pensando. Enquanto suas ideias fluiam a mil, seu corpo sequer mexiá-se. O maximo que fazia era tragar e soprar a fumaça. O silêncio quase absoluto do quarto ajudavá-a a se concentrar.
Quando o maço de cigarros acabou ergueu os olhos para o relógio, 10 horas da manhã. Bocejou cansada e pegou o telefone. " Um maço de cigarros e uma xícara de café grande", disse rapidamente. Levantou desperta e sentou-se a frente do laptop. Coemçou a escrever avidamente. Não preocupavá-se nem em ler o que escrevia, sabia que estava certo, o habito transformará o ato em sua segunda natureza, como respirar ou o pulsar do coração. A mais, sabia que estava excelente, era a melhor em seu ramo.
Não tirou os olhos da tela quando a criada chegou com o café e os cigarros. Simplismente esticou a mão e levou a xícara a boca e acendou o cigarro. Ao terminar encaminhou para o editor.
Deixou a mesa de trabalho com a xícara vazia, pegou o maço de cigarros meio vazio e foi para o banheiro onde um banho de banheira meticulosamente preparado a esperava. Passou as duas horas seguintes preparando-se. Escolheu e separou as roupas e sapatos certos. Maquiou-se demoradamente. E ao final postou-se frente ao espelho extremamente orgulhosa de si.
"Espelho, espelho meu, existe mulher mais bela do que eu?", disse ironicamente para o espelho, sorriu com a brincadeira de criança virou-se e seguiu porta afora. "É claro que não", respondeu mentalmente.
Na porta do hotel, seu pequeno carrinho amarelo a esperava. Sorria internamente, satisfeita. Sabia que todos os olhares estavam voltados para ela. Os homens olhavam-na admirados, pela beleza, pelo carro, pelo poder. As mulheres encaravam-na raivosas, invejando tudo o que possuia.
Entrou no carro e sorriu confiante. O celular vibrou. No visor, duas novas menssagens. A primeira do chefe, "excelente, como sempre", a segunda dele, "eu quero você". Não respondeu nenhuma das duas. Era claro para ela que eles a queriam. Era claro para ela que seu trabalho era o melhor. Ela é a melhor.
Sorriu e acelerou. Tinha um carro, uma rua, e centenas de possibilidades

Conto... de fadas!

Na janela enfeitada, lindamente ela esperava.
Lá de dentro seu pai, o Conde, chamava.
Tão linda, Tão bela, tinha logo era que se casar.
Dizia o pai, implorava a mãe, e a menina não.
Com o cavalo, e o cão de companhia, pelos pastos a trotar.
Acabou entrando na floresta, para nunca mais voltar.
Perder-se do lugar, de proposito foi buscar.
Um vale, um monte, um horizonte.
Para dar-lhe estrelas, e uma aventura eletrizante.
Sabia tanta coisa, casar então, pra quê?
Reclusa no fundo da floresta ela viveu.
Cercada de beleza, ela aprendeu.
Aprendiz de feiticeira ela virou, e uma bruxa má enfeitiçou.
Entre suas aventuras, um principe dormindo encontrou.
Numa torre de vidro abandonada, por um dragão guardada.
Mas o dragão era poderoso, e ao principe ela não prestou socorro.
Fugiu para longe indo até a velha feiticeira.
Num sonho magico de uma terra encantada.
Provou bravura, coragem e destresa.
Os pensamentos sempre amados, no principe deixado.
E durante uma tarde, no caminho para a cama.
Sangrou pela facada de um amor.
Adormecida ficou, angustiando de dor.
3 dias e 3 noites ela chorou.
Ao despertar, o cão ela chamou e no cavalo ela montou.
Seguiu bravamente por um caminho descontente.
Lobos e medos ela passou, até a torre chegou.
O dragão dormia calmamente, em um céu de estrelas cadentes.
A epica batalha começou, quando o dragão acordou.
A filha do conde pelo principe brigou.
E o filho do céu pelo prisioneiro retesou.
Por um momento o dragão impressionado, foi descuidado
E a Condessa então, furou-lhe o coração.
O dragão subjulgado, não morreu, e virou seu criado.
Com sentimento contente, subiu ao principe e beijou-lhe ardente.
Desperto ele tomou-a nos braços e beijou-a novamente.
Sorriram juntos, deitaram juntos, amaram juntos.
E ao amanhecer cavalgaram e amaram.
E riram e conversaram.
E conheceram-se e apaixonaram-se.
E ao fim do dia quando o sol foi-se, levou-o junto e acabou-se.
Restaram as lagrimas e as andanças.
No coração puro e apaixonado da jovem criança, no ventre levava a lembrança.
Do amor e do ardor, de uma paixão.
Da vida e da dor, de um coração.
A a jovem condessa ao castelo retornou.
Beijou os tumulos de pais que amou.
Beijou o tumulo de marido ido.
Beijou o berço de filho querido.
A história da condessa, ao povo contou
Que o marido querido ela despertou
Ele partiu e a ela o filho ficou

Fim

Partido

Dobrou cuidadosamente as páginas e colocou-as de lado. Deixou-se cair ali, em meio a profusão de almofadas. Não via o teto. Não via a janela, nem via o céu. De olhos fechados via apenas ele. Suspirou e riu. Ria de si mesma. Ria de sua tolice infantil. Ria sobretudo do sentimento ingenuo que nascia e crescia a cada leitura, a cada olhar a cada sorriso.
O celular começou a tocar insistente a seu lado. Ignorou-o. Sabia quem era, e ainda mais, sabia que não era quem queria que fosse. Ele não ligava, nunca ligava. Apenas o outro, sempre o outro. A musica programada para o número dele tocou novamente. Resignada, atendeu, mecanicamente.
Ele sempre lhe ligava, tão atencioso. Sorrindo, brincando, fazendo-a rir. Eram tão parecidos em certas coisas. Tão proximos. E distantes. Ele não a fazia imaginar e sonhar como o outro. Não a fazia suspirar e desejar. Estavam juntos a três semanas, e mesmo assim, era naquele que seus labios nunca havia tocado em quem pensava, com quem sonhava.
E já estava sonhando acordada de novo. Com ele de novo. Desligou o celular e jogou-o a um canto. Sairia com ele, novamente. Já esperava por aquilo. Afinal saiam juntos sempre. E seria outra noite perdida entre beijos e sussuros, para adormecer pensando em outro.
Esticou o braço e pegou novamente as folhas de papel. Os textos, os poemas, os contos, as palavras, as virgulas e os pontos. Tudo transmitia-o inteiramente. Eram, cada uma das linhas, uma confissão de si mesmo. E a cada confissão dele, ela apaixonava-se mais. E a cada conversa rapida pelos corredos, ela apaixonava-se mais. E a cada sorriso de longe. E a cada troca de olhares escondidos. Sua imaginação voava levada pelas ideias de um. Seus braços agarravam-se levados por beijos de outro.
Seu pobre coração esmigalhado, só deixava-se levar, desejando acima de tudo, juntar dois homens em um só. Consiliar as ideias aos braços. E beijar os labios daquele que a faz voar. E voar nas ideias daquele que a faz beijar.
O celular tocou novamente. Era ele. Bufou irritada, sempre ele, na hora errada. Brigaram. De novo. Por um outro motivo bobo. E acertaram-se novamente. Por um beijo ardente. E ao deitar de noite sonhou com letras, versos e prosa de uma presença ausente.
Largada pelas almoçadas, deixava o vento bater-lhe a fronte. Levar embora a confusão, e clarear-lhe a decisão. Pesava. Sentiá-se traindo. Aos dois. Sentiá-se suja. Estar com um enquanto sonhava com o outro. Querer um enquanto a mente entregava-se a outro. Tão diferentes entre eles. Tão parecidos com ela. A confusão dentro dela tão grande. Espremida no peito por tanto tempo. E por não aguentar mais. Uma gotinha de dor escapou, e foi escorrer rosto a fora, brincar com o vento e dançar-lhe nos lábios. O gosto doce e amargo da incerteza.
A campainha tocou. Devia ser ele. Vierá buscá-la para saírem. Levantou-se, deixou as almofadas, companheiras consoladoras, e parou frente ao espelho, inimigo revelador. Os olhos inchados. O nariz vermelho. A boca brilhando. Estavam todas ali, as evidencias de um sofrimento contido. Escondeu-os com maquiagem. Arrumou-se, pegou a bolsa e saiu.
Saiu para ver que se enganara. Não era um e sim o outro. O coração disparado a porta. Congelada pela surpresa de ve-lo ali. Marcado tão claramente pelos mesmo sintomas de sua doença. Ele sorriu ao ve-la. Sempre sorria. Delicadamente ergueu a mão e tocou-lhe o rosto. Secou-lhe uma lagrima. Ela riu, não escondera tão bem assim os sinais de sua luta.
Cegos e sem direção, os corpos de aproximaram. Inexperientes nas mãos um do outro. O primeiro toque. O primeiro sussurro. E ao estar bem perto (podia mesmo ver as ruginhas dos olhos, os cilios bagunçados, as pintinhas no olhar) fechou os olhos em uma alegria muda. E em uma esperança sussurante, os braços e lábios experimentaram juntos voar. E acompanhar as mentes que seguiam adiante.
Agarrada as letras, aos lábios e ao homem. Voou.

Idade

Não importa o que digam, não há idade para nada.
Não há epoca para brincar de pega-pega, ou limite pra fantasiar-se e correr.
Porque não tem idade pra deixar de ser criança.  Na verdade não há idade pra deixar de ser nada. Podemos ser tudo o que quizermos na idade que quizermos.

Idade é só um número, e da vida, o que entendem os números? Nada além de nada. Clarisse disse : "a vida ultrapassa qualquer entendimento". Pois é claro, viver não é entender, é sentir, é ser.

Eu vou brincar de pega-pega e esconde-esconde, sim. Vou correr na chuva. Pisar com os pés no chão. Deitar na grama e ver estrelas. Vou sonhar com bruxos e dragões. Viver na imaginação. Vou me fantasiar de princesa e salvar o meu principe.

Vou brigar com o mundo. Vou defender meus ideais. Vou dizer o que penso e o que quero. Vou dizer 'te amo' e não ter vergonha do que sinto. Vou fazer e querer. Vou achar corrupção imoral. Vou querer mudar o mundo. Vou achar futil e vou achar inutil.

Não quero saber de só sexo. Não quero ouvir em funk, sertanejo e pagode. Não gosto de pegação e balada. Tenho 80 anos mesmo. Prefiro ler um livro, tomar café e ouvir música boa. Deitar na rede, ali na varanda e ver as nuvens passar. Brincar com o cachorro, rolar no chão com  meu priminho. Ficar suja de terra e tomar banho de chuva. Tenho 8 anos mesmo.

Sair com meus amigos. Beber. Fazer besteira. Sair de noite, voltar ao amanhecer. Durmir o dia todo, acordar ao entardecer. Ter ressaca todo dia. Estudar até enloquecer. Me revoltar com a sociedade, é só querer. Trabalha de segunda a sexta, outra obrigação a perder. Enloquecer e esquecer da vida, de tudo. Tenho 18 anos mesmo.

Não tenho idade. Tenho altura de uma criança. O rosto de uma adolecente. A moral de uma velha. A cabeça de uma adulta. Sou a noiva do frankenstein. Formada por pedacinhos dos outros? Pedaçinhos de eu mesma, que cresci num mundo louco. Integrada por epocas distantes, diferentes. Tudo junto e batido dentro de uma cabeça confusa.

Por isso eu digo : vou brincar de pega-pega até o sol nascer e ir pro bar beber até a noite chegar. Porque a noite é uma esperança, que o vento não consegue calar.

Vergonha

O céu escurecia lentamente, e como um enxame de vagalumes, as estrelas acendiam no céu violeta. Umas poucas nuvéns brincavam no céu, arrastadas pela brisa que refrescava-os. Estavam sentados, deitados, espalhados por ali.
A fumaça do cigarro espalhava-se por dentre eles, sem que se importassem. Estavam acostumados. Todas as noites, as mesmas únicas noites. A mesma companhia sob o mesmo lugar. Mas nunca uma noite igual.
Deitada com a cabeça no colo de uma amiga ela ria, seu riso infantil era quase uma gargalhada,  dessas incontrolaveis. Ela ria, com os amigos, dos amigos, de tudo. E todos riam dela, e com ela. Eram amigos. Viam-se todas as noites sob o mesmo céu estrelado.
Inquieta parou de rir. Sentou-se bem reta. Admirando concentrada algo a sua frente. Os amigos riam e tentando chamar sua atenção. Aerea voltou-se para eles, sorria desconcertada, como quem pede desculpa. Envergonhada de um pensamento só seu, temendo que eles pudessem percebe-lo.
Ainda sentada, ainda olhando quase fixamente.
Tão destraída estava. Tão concentrada em uma ideia distante. Mal percebeu o movimento as suas costas. Sequer notou até que um sussurro quase calado a fez virar-se.
"Você é linda", disse. Era apenas um mover de lábios. Ninguem notou. Ninguem ouviu ou percebeu.
Apenas ela. A distração que domava seus olhos foi substituida pelo espanto.
Ficou-se rapidamente. Confusa, espantada e sobretudo vermelha.
O rubor tingia-lhe as faces naturalmente rosadas. Era impossivel esconder ou disfarçar. Estava completamente vermelha. O riso explodiu ao seu redor. Tornando suas faces, já vermelhas, escarlates. Cobriu o rosto com as mãos, numa falha tentativa de esconder-se.
Ergueu os olhos em um misto de irritação e vergonha. Os olhos verdes encaravam duramente os castanhos.
"É tudo sua culpa", sussurrou para ele. Apenas conseguiu que ele sorrisse mais e mais abertamente que antes. Era como se sentisse um certo prazer em vê-la daquele jeito. Encabulada e sem saber o que fazer.
"Só disse a verdade", sussurrou de volta em resposta. No apice de sua vergonha e irritação, levantou-se com impeto e saiu rapidamente, deixando para trás rostos confusos e um sorriso satisfeito, que pós-se logo a segui-la.
Estava completamente inconformada. "Quem ele pensa que é para fazer isso?", sua cabeça rodava com o pensamento e com as parcas palavras sussurradas. No todo, não havia sido nada demais. Mas, para ela, não era assim.
Sentou-se confusa no banco. Incorformada. Deitou-se e olhou para o céu. As estrelas piscaram-lhe indiferentes. Não sentia-se linda. Não considerava-se feia. Mas achava-se longe do linda. Era feliz sentindo-se normal. Afinal, qual o problema de ter uma beleza comum? Nenhum.
Sua curiosidade, embora, não deixasse-a em paz. Se era assim tão comum, porque ele chamará-a de linda? "Aos olhos dele devo ser." Respondeu-lhe satisfeita uma parte de sua cabeça. "Não basta, ele teria dito bela", retrucou racional o outro lado. Sentou-se confusa, apoiando as mãos na cabeça. Seus pensamentos rodavam velozes. "Porque me abalei tanto com o ELE disse?". Tentava, desesperadamente, achar uma resposta, qualquer resposta.
Não percebeu quando ele sentou-se ao seu lado. Não notou quando ele olhou-a demoradamente, analisando cada gesto. Apenas vio-o quando ele envolveu sua mão com as dele. Encarou-o seriamente. Tentava achar as respostas que não conseguia. Poderiam, quem sabe, estar escondidas por trás daqueles olhos castanhos. Tão belos.
"Porque?", perguntou sussurrante em uma suplica.
"Porque é verdade", respondeu lentamente. "Você não vê?", perguntou desconfiado. Chocada demais para falar. Sua voz havia perdido-se em algum lugar, no meio do caminho. Acenou com a cabeça, não via. Ele olhou-a chocado. "Como não poderia ver?", pensava intrigado. Para ele era tão clara a beleza dela. A delicadeza dos traços, a força da expressão, o sorriso sincero, o olhar preocupado. Os olhos. Sobretudo os olhos. Tão claros e limpos, ao mesmo tempo profundos e misteriosos. Como o mar.
"Sou mesmo?", perguntou receosa, a voz finalmente saíndo, porém falha e vaga.
"Muito", ele confirmou serio. Ela sorriu-lhe timidamente. Estava desconcertada, sem saber o que fazer ou como agir diante daquela situação.
"Como sou tola", riu-se olhando para longe. Riu de si mesma. Era sempre tão confiante e resoluta. Sempre sabia como agir ou o que falar, e agora, ali, diante dele, parecia uma tola.
"É a tola mais linda que conheço", riu do enbaraçamento dela. "Sabe, depois que alguem te elogia, você deve agradecer", comentou fingindo-se bravo.
"Obrigada", respondeu gaguejante.
Não falaram mais. Apenas sorriram-se. Ela feliz. Ele esperançoso. Mas era desatenta demais para notar. Levantou-se agilmente. Inquieta como sempre, correu para os amigos, rindo. Sempre rindo.
Ele apenas viu-a partir. Seu sorriso já lhe acalentava o coração, e por hora bastava. Por hora.

Terror

Os corredores estavam vazis a aquela hora. Encobertos pela penumbra da hora, era tarde para o sol e cedo para as luzes. Todo o lugar assoviava uma cantiga de solidão, exalava quase um desespero.
Os passos calmos ecoavam por todos os lados. Lentos e ritmados, quase indiferentes a solidão abandonada do lugar; quase.
A pequena, tão pequena era que parecia deslocada no grande ambiente serio. Nela havia um algo de inocente, um que de infancia. Aparentava mal ter saído do doce frescor da adolencia. Estranha a todo o lugar, acostumado com rostos mais experientes.
Sentou-se num banco e puxou da bolsa um livro. Queria distrair-se da quietude do ambiente. Mal percebera o olhar atento que seguia seus movimentos. Quase não notara a sombra ao longe que se movia de acordo com seus passos.
Fosse pela hora, pelo vazio ou, quem sabe, pela suspeita. Fosse por que fosse, olhava ansiosa por cima das páginas a cada linha. Cada som, cada luz, cada suspiro. Tudo era motivo de suspeita.
Talvez fosse a fala de companhia, talvez a falta de luz, talvez um presentimento, o certo era que o medo crescia dentro de seus olhos. Suspirou profundamente, tentando tornar-se dona de si novamente. Colocou delicadamente o livro de lado e parou.
Como quem espera um amigo ou convidado, a pequena andava com seus olhos de um lado para o outro. Vigiando ansiosa. A terrivel espera deixava-a nervosa. Preferia que tudo acontecesse logo, só não sabia o que deveria acontecer. Levantou impaciente, exasperada.
Começou a andar, ia até o final do corredor, fazia a volta e seguia até a bolsa sobre o bando, onde tornava a fazer a volta e seguir até o final do corredor. Como que nada acontecesse acalmou-se. Pegou a bolsa e começou a seguir até o banheiro. Os passos firmes e seguros, porém, não unicos.
Virou-se ansiosa para o corredor, vazio. Voltou o olhar para a frente, para os lados, tudo limpo, vazio. Tornou a andar, tornou a ouvir.
O medo, antes apenas especulação, tornava-se agora concreto. Seguiu mais rapido, foi seguida mais rapido. Não atrevia-se a olhar para trás. A confirmação dava-lhe mais medo que a suspeita. Avistou não muito longe a porta. Poucos metros, a separavam da segurança do banheiro. Podia trancar-se ali. Correu mais.
Ao tocar na maçaneta, sentiu ser tocada. Uma mão grande encoberta por uma luva negra cobriu-lhe a boca.
Enquanto a outra agarrou firmemente o pulso. Levou a mão solta para a boca, em uma tentativa frenetica para gritar por socorro.
Era tarde, gritava em sua mente. As mãos em garra eram firmes e resolutas, não deixariam-se enganar pela minima força da pequena. Não a mais o que fazer, pensou. Foi arrastada, e levada. Não conseguia ver quem a levava. Via apenas por onde passava. Reconheceu salas e corredores. Escadas, praças, e caminhos.
Lugares onde descançava com os colegas, onde tinha aulas, onde passava. Antes motivos de conforto agora motivos de puro desespero.
Não soube por quanto tempo. Apenas quando parou. Sabia onde estava, conhecia cada canto e cada lugar de toda aquela universidade. Era um lugar ermo, onde raramente os alunos iam, longe de tudo.
Não adantaria gritar, ninguem ouviria, os dois sabiam disso. O primeiro sorriu, a segunda chorou.
Chorou ainda mais com a força do aperto, a dor de ser jogada no chão. As lagrimas rancorosas e carregadas de sofrimento, escorriam livremente. Pela humilhação, pela dor, pela revolta, e por fim pela aceitação. O medo tornara-se raiva. A angustia, realidade. Tudo transformado em lagrimas e soluços trancados. Agora que chegara ao fim, esperançava pela liberdade. Era tudo o que restava-lhe, e tudo que queria. Liberdade.
Ele sorriu maldosamente. Suspirou satisfeito quando viu o medo retornar aos olhos dela. Uma das mãos agarrou-se ao pescoço, enquanto a outra trazia para junto da pequena um canivete. Mesmo na luz parca a garota pode perceber o brilho da lamina.
O desespero tomou-lhe o corpo. Não queria e não podia deixar aquilo acontecer. Debateu-se, esperneou, mordeu, estapeou. Embora nada adiantasse. Embora nada mudasse a vontade de ferro da besta que crescia no inteior do homem.
Um movimento de um único golpe.
Tudo cessou, a revolta acabou, a raiva extinguiu-se, o medo silenciou-se.
Só o sangue não parava, escorrendo indiferente por uma face sem vida.

Chuva

A chuva cai, devagarinho.
Bem fininha, de mansinho.
Vem aos poucos, se aconchegar.
Num cantinho, ali ao lado, no cantar.
De gota em gota, brilhou.
Ao arcoíris, relembrou.

Foi aos poucos caíndo.
Em sono profundo persistindo.
Em sonhos tortuosos.
Nos dias chuvosos.
Só para acordar beija-flor,
em uma manhã sem sal e cor.

E rir ao contar :
Acorda sem demorar, segunda-feira é agora!

São Paulo

O carro rodava a alta velocidade, 120km\h, eu via através de mãos, braços e o volante. Deitada sobre o bando traseiro, sem mais o que fazer observava desatenta os carros lá fora, as montanhas lá fora, a chuva lá fora, o céu lá fora, as nuvens lá fora. Tudo estava lá fora, e eu continuava quieta e trancada, lá dentro.
A cidade aproximava-se devagar, quase como se pedisse licença para começar. Timidamente ela começou a crescer, e crescer. As ruas começaram a ramificar-se, espalhando pelos prédios que cresciam indominos. E de repente, sem mais ou menos ela subiu toda por cima de mim.
Subiu gigantesca ao meu redor, sem pedir licença. E lá estava ela, aos meus olhos, bela.
Os prédios subiam ao meu redor, grande e pequenos, modernos e velhos. Nada era poupado ou perdido aos meus olhos. As pessoas na rua, os grafites, a sujeira, as árvores que despontavam raramente.
O parque do ibirabuera veio e passou, com suas luzes e caminhos, e as árvores, escondendo uma neblina fina da chuva. Ocultando assim as pessoas que andavam e passevam. E então foram-se.
E a estação da luz chegou, e também passou como um trem. E a pinacoteca, e a praça da Sé, e toda a São paulo chegou a meus olhos pela janela de um carro.
Paramos enfim em uma ruazinha paralela, pequena e sem importancia. Logo ao lado de um restaurantezinho, que ficava metade pra dentro da calçada, metade pra fora, enfeitado com trepadeiras e tijolinho. E sua pequenez encantou-me. Em meio a grande cidade de pedra assustadora, estava ali um bistro charmoso e calmo.
E o dia passou, e a vida roudou, e a canção soou. E voltamos ao carro, e somos embora.
Deitei-me voltada pra rua, encarando vivamente o vidro traseiro.
E novamente a cidade invadiu-me os olhos.
E foi aos poucos diminuindo.
E foi passando e foi indo.
E ficou.

A casica amarela


Todo dia e toda noite, ao sair e ao chegar.
Lá estava ela, em beleza e charme com a flor na janela
Nunca vi a doce dama, dona da flor e cabana
Sonhavá-a todas as noites, viá-a em todas as cadentes
nas madrugadas estreladas e nas manhãs arruinadas
Passava dia, passava hora; e nada de Cora
Andava rua inteira. corria de volta a ladeira
Um dia, lencinho perdido; na frente da casica, levei-o comigo
Outro dia, ladeira abaixo; tropecei e fui ao chão
Aos pés da dama, dona do lenço e cabana
Sorriu-me e dei-me a flor; Sorri-lhe e dei-lhe amor
Juntos então somos ficar; na casica amarela morar

Café


Era uma pequena casinha, perdida assim, no meio daquela longa avenida da cidade grande.
Era pequeno e quase não se via; o pequeno café que ali se servia.
Antigo e costumeiro; os clientes já sabiam, o mesmo café de Longeiro.
Longeiro era o dono, o fazedor e o criador. Era também um estrangeiro.
Vinha de uma terra ao longe; lá pra cima, lá pro norte. Lá do monte.
Todo dia a mesma hora; a pequena entrava, embora
em seu sabor de meninice; em seu fulgor de garotice
mal se notava; o rubor rouge na face.
Delicada ela sorria; e pra baixo do balcão já corria.
Atendia paciente; cada cliente
E ao fim de um longo dia; chegava então a alegria.
Sentava ela, o Longeiro; e na cadeira aguardava
Logo, logo, o sol ia; e a lua subia
Subiam junto os vagalume pra enfeitar; o fim da tarde e comemorar!
Cai a noite e ficam então
os vagalumes a dançar, e os dois amigos a conversar
até que de um grito ao longe a menina se assuste; e até a mãe corra de volta contente.