Máscara

Ela sorri encantadora, fascina. Os cabelos soltos embaraçam-se à brisa. Caminha com absoluta graça e elegância. É noite de carnaval. O salão abarrotado anima pela madrugada. Reina absoluta por entre máscaras. Essa, de agora, é negra e de cetim, é palpável. Por baixo esconde-se com outra máscara, a essa de branca porcelana, etérea. Tão suave, macia, a segunda não veste-se como máscara, não parece uma máscara, parece real.
Por um momento o mundo para. Sua negra máscara cai, levando consigo a outra. Um segundo de vislumbre de sua face. Um único olhar, um fugaz sorriso. E tudo acabou-se. A forte delicadeza volta a seu lugar, o olhar encantadoramente sedutor, o sorriso enfeitado de maldade a reluzir.
Uma máscara convidativa, uma armadilha. A noite passa, as pessoas vão, a claridade chega, a solidão senta-se a mesa. A mão delicadamente toca as máscaras. Receosa ela para por um momento, mas não há ninguém para ver. Retira calmamente a máscara de cetim, aos poucos a de porcelana desfaz-se, suspira cansada. Agora está real, verdadeira, pura. Por baixo de todo o festim, enfeites, festas, aparências ela surge. Simples. Nada de lânguidos e sedutores olhares, sem o encantador e maldoso sorriso, livre de todos estava livre para ser, enfim ela. 

Mágico de Oz

Há muito tempo não sei o que dizer, as palavras fogem de mim, e por vezes, eu mesma fujo. Confesso, estive evitando esse momento, embora não saiba ao certo dizer que momento seria esse. Talvez uma confissão sussurrada, talvez uma epifania existencial jogada ao vento.
Descobri, porém e somente, que esse momento é a viagem. Não se trata, no entanto, de uma viagem física, mas de algo bem mais sutil. É, na verdade, uma viagem de sonhos. Nesse estranho e revelador, sonho meu, havia um homem, não era um príncipe, não era um sábio, nem mesmo um mágico. Um homem comum, com características comuns, formado por sonhos e habilidades comuns, mas, notável e distinto por seus ideias. Esse homem buscava algo impossível, busca essa que nenhum outro sonhava em completar. E que eu, particularmente, achava impossível de ser completada. Mas isso porque tenho a imaginação pequena se comparada à desse homem notável que encontrei em meus sonhos. E por isso, jamais conseguiria completar a tarefa que ele realizou tão facilmente.
Havia muito tempo, eu perdera meu coração, se por lagrimas derramadas em demasia ou se por ilusões amorosas em excesso, não sei dizer. Tranqueio em um baú, perdi a chave e me esqueci do caminho que levava até ele.
Pacientemente, esse homem procurou, seguindo passos, pistas, memórias. Gota a gota de sangue e lagrimas ele se empenhou. Viagem a viagem, ele realizou, até mim, até as memórias, até o passado. Mesmo a Oz ele foi, em busca de um coração que pudesse me dar.
Perdida e confusa eu observei calada cada viagem, cada ida, cada esforço. Não entendia o porquê de tamanho esforço por algo que eu considerava sem valor. Tentei impedi-lo, tentei dizer não, e a única coisa que obtive foi fazê-lo trabalhar com mais afinco. Tinha medo, muito medo, e um medo cada vez maior, que ele encontrasse meu coração e do que aconteceria quando o fizesse. Em meio ao escuro que eu criara em volta de mim, não percebia as luzes se acendendo calmamente. Não percebia que meus sonhos haviam me tornado em meu maior pesadelo, mas que agora eu estava prestes a acordar.
Era completamente cega, não tinha o desejo de ver.
Ele aos poucos me mostrou como eu estava errada. Me acordou calmamente, tirando-me de meus sonhos e pesadelos ilusórios e irreais. Através de sonhos, encontrei a realidade. Percebi enfim, que meu coração não era sem valor, tinha valor para ele, e se tinha valor para ele (que era tão notável) deveria enfim, ter algum valor.
Depois de tanto tempo, lagrimas e sangue, repousando em uma de suas mãos, estava ali vivo e ardente, meu coração que por ele me foi devolvido. Ele sorriu-me e então fez com que meu coração disparasse feliz. Creio que ele não sabe da importância do que fez. Não devolveu-me simplesmente meu coração, devolveu-me a vida como a muito tempo eu não conhecia, devolveu-me as palavras.
Para alguém, que como eu, ficou tanto tempo no escuro, envolta por ilusões e mentiras, que eu mesma me contei, ver a luz do dia é um tanto quanto difícil. Mas assim como um bebe aprende a andar, eu aprendo a viver novamente, viver e conviver comigo. A tão difícil arte de conviver consigo, confesso que por vezes é muito difícil, e eu desejo estar na facilidade e no conforto da escuridão. Ele, é claro, não deixa.
Tenho a impressão que ele sofre mais que eu, ao me obrigar a enfrentar meus medos e dores. Assim como eu sofro mais que ele, ao fazê-lo suportar certas coisas que o fazem sofrer. Somos tolos, sofrendo mais do que precisamos, mas impedir esse sofrimento extra seria inimaginável.
Muitos anos se passaram desde que ele retornou com meu coração, e eu ainda luto para conviver comigo, é tão mais fácil conviver com ele. Eu o amo, como pensei que nunca voltaria a amar alguém, e causar sofrimento a quem amo é uma das provas mais duras que eu enfrentei. Talvez seja apenas eu, velha e tola, mas ainda sim, até hoje, vê-lo chorar ou sofrer é ainda pior do que o maior sofrimento pelo qual passei.
Ele foi e sempre será meu anjo, pelo qual agradeço todos os dias e todas as noites. Vê-lo sorrir, ainda acelera meu coração e faz me sentir como se eu tivesse 17 anos outra vez. Nunca consegui entender, porém, o que o levou a ter me salvo tantos anos atrás, às vezes, penso que foi tudo apenas um outro sonhos e que estou prestes a acordar, em outras penso que sou apenas uma mulher com muita sorte.