Um homem, um amor, um conto

Algo ocorreu-me quando vi-a parada no limiar da areia. Lembrei de minha infancia, quando via minha mãe admirando o mar.
Agora também, parada com soberba beleza estendida sobre os últimos raios de luz. Vem o mar beijar-lhe as unhas. O vento com gosto de mar agitava-lhe os longos cabelos de cobre. Da janela onde me escondia não podia ver, mas ao fechar meus olhos facilmente imaginava seus olhos cinzentos de prata tingindo-se, pelo sol, de um azul noite.
Imovel na praia ela ficou por muito tempo, até que toda luz se fosse, até que todo o mar lhe servisse de leito, até que todas as estrelas lhe servissem de vela para o caminho.
E eu fiquei ali ao largo só olhjando e admirando sia palida beleza ser aos poucos tragadas.
Mas quando fou toda tragadaaaaaa e apenas sobraram-me seus contornos na areia senti um vazio que mantém vago, e sempre se manterá vago.

Roubava...

O vão da escada olha-me por cima, curioso. O escuro da-me suas mãos azuis, fazendo companhia a mãos, cabelos, peles e roupas.
Resta apenas um punhado de mim. Sou umas roupas na lavanderia, algumas panelas na pia. Sou um punhado de lençõis desarrumados, um resto de jornais jogados.
Sobrou-me um corredor vazio, uma tábua solta, cores díspares. Os sussurros correm de minha boca. As palavras escorrem pesadas e cirandeiam. Têm cores que vão do fraco azul-noite quando o sol está preste a nascer, até o alaranjado esfumaçado de uma velha história que queima.
Pequenos brilhos esparsos que na noite velam meus sonos mortos.
São como nunca vi, pois nunca existiram se não em minha fraca visão turva.
Nem mesmo o fim vi aproximar-se. Nem mesmo as nuvens vi chegando. Nem mesmo a mim vi indo. Não vi nada que não fosse o céu. Mas não era qualquer céu.
Vi apenas o fim de céu. Naquele curto segundo de vida no qual noite e dia equilibram-se na gangorra. Aquele segundo em que todos olham para si. Eu olho para cima.
Abro os braços e espero de olhos fechados.
A chuva desce, carrega as luzes.
O vento sobra-me.
Agarro-me às nuvens, sou levada para longe nos braços dela.

Para minha pequena sonhadora

Sozinha no escuro, o vão da escada me olha de cima. Vejo o mundo. O mundo me vê. Não me vejo. Há tudo entre eu e mim. Há tanto que sequer posso ver-me.
Cega pelos olhos do mundo, tudo o que vejo está refletido através de um falso espelho. Mostra apenas o que querem ver. Revela apenas as máscaras. Nada de pessoas. Ninguém é humano.
Chove lá fora. Além do vermelho de meu guarda-chuva, o céu chora. O mundo está a minha volta. Tentam salvar-se da chuva. Mas ela, impiedosa, lava-os a alma. Minha visão desimpedida vê a mim mesma. Estou fora de mim e fora do mundo. Por ser humana.
Entrevejo a mim mulher. Caminhando continuamente até o fim do mundo. Busca aventuras, romances, uma vida. Um relance de menina que aninha-se no seio de uma família. Um vislumbre de garota esperta e apaixonada pelo mundo.
Tenho cometas e constelações por amigos. O mundo de palco. A maldade de sapatos. O glamour de vestimenta. A mudança do mundo no coração.
Volto ao mundo. Paro na frente do espelho. Lavada de chuva. Só o que vejo é um olhar limpo acompanhado de um sorriso misterioso.

Desabafo

Vejo todos os dias amigas minhas se apaixonando, e sendo retribuidas. São mulheres simples e faceis de lidar. Não são menos por isso, apenas diferentes de mim.
Sempre considerei-me uma louca. Uma louca com dupla personalidade. Nunca fui fácil de lidar. Admito isso. Sempre mudei de mais em tempo de menos. Sei que isso não é bom. Como alguem dia algum poderá amar uma pessoa que não é a mesma nem sequer durante uma hora.
Tenho altos e baixos. Euforia e depressão. Super alto-estima, incrivel baixa-estima. Sou os dois polos de um mesmo imã que se atrai e se repele.
Há horas em que sou o ser mais repugnante, egoista, consumista, burgues, taxativa possível. E eu gosto disso. Gosto do glamour, da elegancia, da sutileza, da maldade, gosto do ter.
Há horas em que eu quero mudar o mundo, torná-lo um lugar melhor, defendo meus ideais até a morte, sonho com justiça, liberdade, não consigo negar uma ajuda, simplismente abomino o capitalismo, torno-me uma pessoa critica, perpicaz, com profundidade de pensamento. E eu amo isso. Amo os ideias. Amo a ideia de ter a força e o porder para ajudar as pessoas e mudar o mundo, amo pensar sobre os assuntos mais complexos e descobrir coisas novas, amo aprender, amo ser.

Gostaria so de saber, não precisa acontecer, não precisa ser agora, mas eu gostaria de saber, se é possivel amar alguem como eu, que na verdade só é constante em ser inconstante. Gostaria de saber se é possivel me amar. Uma garota ideialista, consumista, sonhadora, profundamente complexa, apaixonada, cruel, chorona, fraca, forte, maldosa e inteligente.

nada mais que divagações de uma louca.

Oculos

Enxergo tolida através de lentes sujas e foscas. O mundo me parece cinza e sem vida. As crianças correm sujas, descuidadas, puídas. As ruas barrentas espirram pó. Até as árvores parecem marrons. Vagueio em circulos à procura da água. Quero, preciso limpar as lentes. O mundo é sujo atrás de minha apatica visão. Espero a chuva. Espero que lave meus oculos, lave o mundo. Afogue o cinza, limpe o marrom, acente o pó.
A chuva cai.
Meus oculos limpos me permitem ver a sujeita à minha volta. O mundo é preto e cinza. As crianças andam ao lado de velhos. Eles as abraçam de modo apetitoso. As mães caminham atrás, carregam pequenos esqueletos de fome. Querem assegurar-se do pagamento.
Caidos no chão homens rolam entre bebidas. São apenas cadaveres fetidos. Afogados em seu amor. Pisados, massacrados.
Não há pessoas. Fantasmas vagam e habitam.
Caço na terra alguma cor, algo que não esteja tomado pelo cinza, pelo pó.
No meio do nada todo destruido. Ao centro do antro. Uma pequena ruína, iluminada por uma palida luz da lua, guarda vida. Uma viva flor do campo, iradia o vermelho. Mantém viva a vida.
Torno-me guardiã da pequena flor, minha esperança de água.
14/02/2050

Prisão



Pressionado no canto de minha cama, sufocado pelas paredes. Encaro a janela: uma fenda incrustada no alto da parede. Raros raios de luz chegam até mim. Quase posso ver uma fresta de céu. Olho para dentro, para todo o meu mundo. Quatro paredes, uma cama, uma goteira, eu e os mofos. 1,2,3,4, acabou. Chego ao precipicio. Meia volta volver. 1,2,3,4, fim. Outro barrando. As paredes fecham-se sobre mim. O mundo diminiu. Vou sumindo no nada da escuridão. Sou absorvido pela rigidez do frio, pela imensidão do mundo. Não apenas integro o mundo, sou-o. 1,2,3,4. Caem as gotas. Ecoam no espaço. Ruem a tranquilidade. Sentado a cama admiroo meu mundo. Sou tudo que há para ser aqui. Sou os escritos da paredes. A goteira no chão. O solitário raio de sol. O ar foge pela fresta. Deixa-me cada vez mais todo no mundo. As gotas sobem do chão. Escorrem para a torneira e para longe de mim. Até mesmo a escuridão esvai-se.

Deixam-me só com o espaço. Só o espaço não me deixa. Nem poderia. Está atrelado a mm. Amarrei-me a ele para que não me deixasse. Não deixarei que parta. Não me deixará só. As paredes andam. 1,2,3,4. Passos lentos de gigantes. Fecham-me só no espaço. Todo o mais para vagar. Sobrou-me o nada e o espaço, nem a luz restou. Não abro a boca e sinto meu grito ecoar. 1,2,3,4. Não abro os olhos e vejo o nada. 1,2,3,4. Não sinto nada e ouço minhas lagrimas caírem. 1,2,3,4. Não sento e percebo a cama abaixo de mim. 1,2,3,4. O mundo cada vez menor. O espaço só escorre-me. As paredes encolhem-no. Só resta-me uma fresta só. Só no nada, só. 1,2,3,...




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Dia pacato. Simplismente parado. Um dia amarelo por assim ver. As nuvens correm lentas pelo vento. As árvores sombream leves. O tempo vagueia com a vida. Uma criança corre pelo parque. Um coração de mãe aperta-se preocupado. Tudo tem um leve tom de antigo. Tudo tem uma suave pincelada de antes. Como quando o mundo era um lugar parado. A brisa refrsca o lugar. O balanço range. Uma sinfonia composta pela vida simples. Voltando ao tempo. Estamos em um raro dia parado.

Baile

O frio da madrugada vai dissipando-se. Dão lugar aos primeiros raios da manhã, que entram atrevidos por minha janela, iluminando fracamente meu quarto desorganizado. A confusão a minha volta traduz-me. Olho rapidamente a minha volta. Não dou muita atenção a nada, nem a bagunça, nem ao sol.
Nada mais importa. Nada faz sentido algum. Tudo parece tão vago, tão distante. Tudo está tão ilusório. Porque importar-me com o amanhã? Porque dar atenção ao agora? Eu ficará no passado. Deixada na noite anterior. Parei no tempo não quero prosseguir.
Volto a encarar meu teto com suas estrelas. Havia passado assim toda a noite. Não me dera o trabalho de tirar o meu belo vestido de baile. Não soltei meu cabelo de seu complicado penteado. Sequer cobri-me e por isso agora estou fria.
A luz finalmente alcança meu olhos e a claridade ofusca-me, pisco para fazer meus olhos acostumarem-se com a nova luminosidade. Ouço um fino e agudo bip, que agrava minha dor de cabeça. Viro-me para o relógio que apita avisando-me que já são 6:00. Devo levantar-me e arrumar-me para mais um dia de aulas.
Apesar de toda minha dor de cabeça, todo o meu corpo dolorido, toda a humilhação da noite anterior, todas as minhas expectativas e vontades, levanto-me e sigo para o banheiro.
Tateio em busca da pia. Os olhos fechados, receosos do que irão ver. Abro vagarosamente os olhos em frente ao espelho. Minha visão ainda turva. Aos poucos enxergo melhor e encontro-me muito melhor do que esperava.
A maquiagem escorrera quase toda devido ao choro compulsivo. Olheiras arroxeadas por baixo de meus olhos cinzas. O penteado intocado, os vários grampos prendendo- o firmemente a minha cabeça, agravando minha dor.
Comecei a solta-los e logo formavam uma pilha sobre a pia. Ao terminar de tira-los meu cabelo cai solto até minha cintura. A dor de cabeça diminuiu mas não deixa-me. Dirijo-me ao chuveiro.A água cai, afasto-me enquanto espero que a água esquente. Levanto minhas mãos até o alto de minha nuca. Desfaço o nó que prende meu vestido. Ele escorrega até o chão.
O vapor da água quente preenche todo o banheiro. Tiro a única peça que cobre meu corpo. Uma pequena calcinha de renda negra. Lamentando te-la comprado. Agora não tem serventia alguma.
Caminho para o chuveiro. Mergulho minha cabeça embaixo da ducha quente. A água corre rápida por meu corpo.
Aos poucos relaxo. Os músculos ficam menos tensos. Deixo, finalmente, que as lembranças invadam-me.




- Divirta-se querida – gritou mamãe enquanto eu me dirigia radiante para a entrada do baile que estava abarrotada com os alunos do colégio
Eu estava concentrada procurando por alguém em especial por isso não notei quando esse certo alguém se aproximou sorrateiramente por trás de mim, não até que ele se pronuncia-se :
- Você esta muito bela hoje – ele disse com um sorriso encantador, o charme sedutor, irresistivel
- Muito obrigada, você também está muito bonito – eu sorri, feliz por não mais ficar vermelha em sua presença
-Que tal entrarmos? – e ao me ver arrepiada acrescentou – Esta frio aqui fora, venha! – e dizendo isso me envolveu com seus musculosos braços em um aconchegante abraço
Eu já havia me decidido, aquela noite daria a ele, o que ele tanto queria. Mas ainda não era a hora para falar sobre aquilo, eu iria dizer ao final da noite, pouco antes de ele me levar para a minha casa.
Aquilo estava me deixando ansiosa, toda aquela espera. Mas ao longo da noite me acalmei, ele foi como sempre, tão perfeito, tão sedutor, que não havia como eu me sentir aflita ao seu lado.
Certa hora avistei minha melhor amiga conversando animada com outras duas garotas, e resolvi que era hora de contar-lhe o que eu havia decidido. Pedi a ele que esperasse um pouco, e me dirigi a onde minha amiga estava. Chamei-lhe a um canto e confidenciei em voz baixa :
- Vai ser hoje a noite, depois do baile – ela olhou-me confusa por um momento e depois uma luz de entendimento iluminou-lhe
- Então você finalmente se decidiu – ela me olhou desconfiada, como se não acreditasse - Espero que esteja muito certa disso.
- Não se preocupe, eu estou – por um instante ela me olhou desconfiada, mas após ter certeza da minha resolução relaxou e me piscou de forma maliciosa
- Quero os detalhes sórdidos amanhã – começamos a rir juntas de forma compulsiva
Enquanto riamos nos viramos para meu namorado, esperava encontrá-lo sorrindo feliz para mim como sempre fazia quando eu me retirava para conversar com minha mais antiga e melhor amiga
Mas daquele vez não vi seus olhos assustadoramente verdes brilhando em minha direção. Não vi seus maravilhoso sorriso recheado de dentes brancos. Nem seu costumeiro aceno animado para mim ou o meneio de cabeça em direção a minha amiga. Não vi seu charme irresistível. Nem sequer seu encanto paralisante.
O que vi foi algo que me deixou paralisada sim, mas não foi seu encanto. Sem qualquer vestígio de fala ou movimento. Vi meu mundo ruindo a minha volta. Vi tudo que apreciava e me era caro se tornando pequenos farelos jogados ao vento.
Meu queridíssimo e perfeito namorado estava se agarrando descaradamente com sua belíssima e muito popular ex- namorada.
Uma garota que ele me garantia nunca mais querer ver, pois era incrivelmente fútil, egoísta e sem cérebro. Pois era essa garota, fútil e ridícula, que ele estava agarrando na frente de todos, inclusive de mim.
Minha amiga se precipitou em minha direção. Fui mais ágil. Antes que ela me alcança-se eu já estava indo em direção aos dois. Andava calma e friamente. Minha mente completamente vazia. Ele está me traindo. A frase soava em minha mente. A frase soava como um mantra. Chego aonde os dois se agarravam.
Estavam tão entretidos no que faziam que sequer notaram minha presença. Toquei no ombro de meu EX- namorado, fazendo com que ele largasse a garota e me olhasse. Seus olhos estavam desesperados. Vazios, chocados e preocupados. Não abalei-me
- Acho que isso pertence a você – e calmamente tirei a aliança de meu dedo e entreguei-a para ele. – Acho que isso é tudo. Adeus. – dei-lhe as costas e sai dali andando resoluta em não olhar para trás muito menos anuviar minha expressão ou marchá-la com lagrimas, caminhava calmamente para a saída, com um sorriso amistoso no rosto, mas esse nunca chegou a meus olhos.
Atrás de mim, podia ouvir claramente os gritos de meu ex-namorado, dizendo que era tudo um grande engano e que me amava, que aquela garota o havia agarrado. Também podia ouvir os gritos de minha melhor amiga que corria atrás de mim para me consolar, bem como o de outras pessoas, mas minha mente estava tão confusa que não pude distinguir muita coisa.
Quando ela conseguiu aproximar-se de mim, eu virei-me para encará-la. Continuava com o expressão calma e relaxada, como se nada estivesse acontecendo. Pude ver que meu ex vinha correndo em minha direção, não dei-lhe atenção, em vez disso virei-me para minha amiga e disse-lhe:
- Eu estou bem, juro! Estou cansada e vou para casa, amanhã conversaremos melhor, está bem?! – dei-lhe um suave beijo no rosto, me virei e sai
Pude perceber que as minhas costas, meu ex continuava a gritar, mas minha amiga o impedia de continuar seu até mim. Abri a porta. O vento frio me atingiu com força total, um arrepio subiu por minha espinha. Avancei mais alguns passos e soltei a porta que bateu com força atrás de mim.
Em meio ao vento frio que agitava meu vestido, minha alma. Permiti que as lagrimas manchassem meu rosto. Envolvi meus braços em torno de mim, em uma tentativa de conforto. Comecei a curta caminhada de volta para casa.

Nada mais

Morro. Não vejo, nem sequer vou vista. Nada muda, afinal, não sou nada além de espaço ocupado por massa. Não mudo nada que não nada, pois pertenço ao nada. Sou parte do todo. Integro tudo a minha volta, sem no entanto fazer parte de mim. Isolo-me do todo. Não o quero. Quero o nada, que integra-me. Quero o nada que une-se a mim.
O todo não importa-se. Faz apenas embelezar, atrair e deixar. Faz vitimas. Faz rastros. Destruindo a tudo que deixa. Deixa apenas o nada. Partido, acabado. Ansiando pelo novo. Procurando o próximo. Aumenta o montante de sangue. De nadas.
O nada dignifica. Só existimos sós. Só existimos nós. No nada, imersos em si. Descobertos do todo. Vemos a nós. Vemos o nada. Altero o mundo nada a minha volta. Pois apenas isso que sobrou-me, nada.
Sou o tudo do nada. Sou tudo no nada. Sou tudo aquilo que nada quer ser. Voo e deixo voar. Mando. Morro e venço a morte. Porque sou nada.

Fumaça

O milagre

O som da chuva cai lá fora. Aqui dentro eu observo tudo, atenta. O cachorro late entediado, não aguenta mais sua prisão caseira. O choro do bebe vem fraquinho lá dos fundos. Um trovão abala as finas paredes da casa. Minha garotinha vem correndo se esconder entre minhas pernas. Pego-a no colo e passo para o outro cômodo da casa. O benheiro e quarto para o bebe. Ali chove menos. O bebe chora. Um choro sentido da fome de quem não come há muito tempo.
Passo-lhe a mão sobre a cabeça, e cantarolo uma cantiga. Espero que volte a dormir. Não tenho comida para dar-lhe. Não até que o marido volte, isso, se voltar. A pequena em meu colo também clama por comida. Mas nada a para se fazer, apenas esperar e esperançar. Volto com a pequena para a sala/quarto/cozinha. Aninho-a em meu colo, sentada no chão velho e puído, apoiada na parede cinzenta e úmida. Canto com a voz embargada de pesar e choro.
Até o cachorro silenciá-se, mortificado com a fome. A chuva cada vez mais forte lava o mundo manchado de miséria. As horas passam maçantes e pesadas. A chuva não nos da trégua. Velo o sono de meus filhos. Atenta a porta e a janela. Enchentes são tão comuns nessa parte da cidade, e tão perigosas também.
Um alto ruído na direção da porta chama minha atenção. Com uma batida forte a porta abre. O escuro da rua entra na casa. O vento forte arrasta a chuva e tudo em seu caminho para dentro. Não consigo ver o que ou quem está entrando. Com o corpo protejo-a. O cachorro late enfurecido. Protegendo-nos do estranho. Ele bate a porta com força. Mais do que usou para abri-la. Sinto a casa tremer. As paredes finas balançam. A chuva castiga-nos. Ele avança a passos pesados. Ao entrar na luz vejo seu rosto. Castigado pela vida, pelo tempo. Meu marido. Acabado e cansado pelas muitas horas de trabalho. Pela longa viagem de volta pra casa. Levanto-me rapidamente. Olho esperançosa para ele. Ansiosa por noticias. Necessitada de comida. Ele sorri triste. Olha para baixo. Sua mochila de trabalho. Ela está abarrotada. Estourando. Espero apenas que seja de comida. A pequena acorda em meus braços. O cachorro pula e late alegremente. Pressentindo o que está prestes a acontecer. Passo a menina para meu marido que segura-a fortemente. Pego possessivamentea mochila. Meus dedos tremem de ansiedade. O peso é muito. Sento-me no chão com ela bem presa em meus braços. Puxo o ziper e faz-se o milagre da comida. Toda uma cesta basica. Ali, bem na minha frente. Deixo a mochila ali no centro da sala e corro pegar meu bebe. Hoje é dia de comer.

Ressaca

O mundo gira.
A cabeça doi. Os olhos ardem. O cenário é excessivamente colorido. Cada alfinete produz o som de uma parada. A luz invade o quarto agressivamente. Estica o braço procurando um cobertor. A movimentação apenas aumenta o girar do mundo. Geme de dor. Levanta-se lutando para manter-se de pé e olhos abertos. Bambaleante tateia até a cozinha à procura de remédios. Acha um vidro. A sinistra dor impede que veja. Tomou mesmo assim. Os comprimidos descem amargos. Adoça-os com a garrafa que está ao lado. Vodka. Rasteja de volta para o sofá. Joga-se encarando o teto, esperando. Esperava a dor passar. Esperava o mundo para de girar. Esperava a força voltar. Sentia o inchaço diminuir. E a dor querer começar a passar. Já até conseguia manter o olho aberto. Esticou-se para a mesinha. Repousavam ali o maço e o isqueiro, ambos adormecidos. Cansados de dormir, eles queriam acordar. Apoia frouxamente o cigarro no canto da boca. As mãos tremulas e aflitas riscam o isqueiro. A chama tremeluz com o vento, com a fraqueza. A brasa acende-se timida. Traga necessitadamente. Incitada ela cresce, fortalece. A fumaça enche o ar a sua volta. O cheiro caracteristico reafirma-se. Anestesia-se com um outro trago, com outro gole. Volta a noite anterior. A luz baixa e delirante. A música pulsante. A dança sensual. A solidão prolongada fez o resto. Ou melhor, fez o final. Entrou em um turbilhão frenetico. O constante apelo. O desejo latente. O prazer rapido e satisfatório. Nada de muitas palavras. Quase sem conversa. Só o fisico importava. Ambos sabiam disso. Ambos gostavam disso. Ambos queriam isso. Vestiu-se e partiu. Nada foi dito. Havia um acordo mudo entre eles. Desceu a rua. Parou um taxi. Murmurou seu endereço. Cambaleou escada a cima. Caiu no sofá. Dormiu. E agora o arrependimento começava a rondar. Péssimo habito que havia adquirido. Deixava-se levar pelos ambientes, pelos desejos. Para nas manhãs seguintes arrepender-se. O prazer proporcionava-lhe uma alegria instantânea. O arrependimento sutilmente minava-lhe tudo. Era estranhamente masoquista. Precisava sentir aquilo. A partida, tempos atrás, fora traumática. A sua partida fora traumática. Tão traumática que não suportou, matou-se. O fato gravou-se em sua mente. Não superou sua morte. Não superou ser a causa da morte. A melancolia tragica abalou sua vida. Impunha-se naquela situação. Aflingia-se para desculpar-se. Jamais admitira isso, porém. Levantou-se e foi para o banheiro. Tinha que tomar um banho. Seu ciclo masoquista deveria recomeçar.

Fronteira

Cheguei ao limite. Daqui só vejo céu e queda. O precipicio do mundo. Estou a um passo, de voar, de descer. Elevo-me ou não. Medo abate-se sobre mim. Medo de voar. Medo de cair. A beirada do precipicio é tão mais segura. Está aqui, nada vai tirá-la daqui, ela não saira daqui. Eu devo mover-me. Eu devo deixá-la. Meu medo não deixa. Não quero ultrapassar essa barreira. A incerteza de cruzar a barreira.
A fronteira está a minha frente. É apenas um passo. Nada mais que mover alguns musculos. Um simples ato. Um grande feito. Ansiedade. Incerteza. Medo. Duvida. Medo. Não o faço por medo. Sei disso. O medo é imaginário. Sei disso. Porém, como superá-lo. Fecho os olhos. Sinto o precipicio a minha frente. A grande fronteira entre o que sou e o que posso tornar-me. Imagino-me. Não tenho medo de voar. Não tenho medo de cair. Uma rachadura se forma sobre a borda. Salto.

Verão

Lentamente vejo o mundo girar, minha cabeça rodopia e sinto-a pesada demais, deixo que cai sobre o travesseiro novamente. Peso mais de uma tonelada. Tenho o peso de toda um mundo sobre mim, é algo grande demais para se carregar. Pesado demais até para manter os olhos abertos. Nino-os sobre as palpebras aveludadas, envolvendo-os em um sono macio.
Não toque em mim. Não me mova. Deixem-me dormir, dormir até que todo o peso se vá, dormir até que toda pressão se vá, dormir até que toda a vida volte.
Não vejo o azul do céu ao final do tunel, não vejo o frescor da manhã beijando meu rosto. Vejo apenas a escaldante e incessante sol aplacar-me, tornando tudo pesado. Não tenho forças para levantar. Sinto-me esvaindo, derretendo. É verão o ano todo.

Alivio

Bati com meus dedos na mesa. Repetidamente. Um olhar agrecivo e necessitado para a tela a cada segundo. O som de minha unhas chocando-se com a madeira começava a me irritar. Mas não mais que a demora. A espera consumia-me por dentro. Corroia-me pouco a pouco. Alimentava-se de cada grama de minha paciencia.
A barra de atualização rodava. Eterna. Em uma espiral infinita. Um redemoinho arrastando-me para o fundo. Para o centro. ERRO! apitava alegremente ao centro da tele. Uma afronta a mim, a minha capacidade. Respirei fundo tentando me controlar. Meus dedos tremulos de raiva e frustração. Re-preenchi o formulario maquinalmente. Não precisa mais ver, havia decorado cada informação. ENTER! E a nova espera. Provavelmente enlouqueceria em poucos minutos. O som de unhas contra madeira era a única coisa que ouvia. Um som tão repetitivo quanto minha raiva, minha impaciencia. Controlava-me para não enlouquecer. Para não quebrar o estulpido objeto a minha frente. A tela em branco zomba de mim. Rizonha e superior. Controlo-me para não atirá-la ao chão. SALVO. Por sim a calma. O alivio. A certeza de que pelo menos minha carteira estará garantida no dia. O que não exatamnte garante minha vaga. A incerteza volta a me rondar. O som batido das unhas volta a minha volta. A impaciencia, incerteza e a raiva estão consumindo-me por dentro. O maldito retardado que inventou esse sistema só o fez por nunca ter passado por ele.

Roupas no chão

Ela enrroscou-se preguiçosamente nos lençois. Abraçou-o carinhosamente. Sorriu. O sol entrava fracamente pela janela semicerrada tocando-os calidamente. Se não fossem aqueles momentos, ela com certeza enlouqueceria. Olhou-o. Ele ainda dormia placido. Era uma bela visão. Assim quietinho, calmo, dormindo. Quem visse a fera que era nas madrugadas não acreditaria no anjinho que repousava sobre ela. Mas ele não durmiria para sempre, assim como ela não poderia ficar para sempre ali. Descobriu-se lentamente. E esgueirou-se silenciosa para fora da cama. Entre a profusão de roupas e almofadas procurou por sua calcinha e por seu vestido.
Em pouco tempo teria que passar em casa, arrumar-se e voltar para sua vidinha. Com o pai mandão. O noivo desatencioso. O trabalho insuportavel. A mãe apatica. Voltaria para ser uma sombra que segue e obedece. Um fantasma que ri e faz o que deve. Como gostaria de ser livre e poder fugir de tudo aquilo que a aprisionava. Mas não podia. Ela sabia que por mais que quizesse aquela era sua vida. Por mais infeliz que fosse.
Um suave ronco veio da cama. E ela olhou-o enternecida. Ao menos, ele estava ali. Não era muito. Mas era o suficiente para que ela continuasse a acreditar que estava viva. Ele a fazia viva. Ele a tornava algo mais que uma sombra. Ele a transformava em gente. Nas poucas horas que tinham por semana. Ela era viva. Ela era amada. Pena que isso não poderia ser real. Pena que a vida não podia segui-la para fora daquele quarto e apoderar-se dela. Pena que suas estrelas e seu céu ficariam eternamente presos por uma noite.
Já a porta, ela virou-se para ele. Que acordava manso. Sabia que tinha que apressar-se. Caso ele a encontra-se, a fera iria querer retornar a ação, e então ela se atrasaria. Criaria tantos problemas. Exigiria tantas explicações. No momento, ela sentiá-se rebelde e viva. E quando ele sorriu-lhe sincero e indicou o espaço vazio da cama ela parou. Segurava firmemente a maçaneta. Sua rebeldia agora vacilante. Olhava para a apatia que a esperava porta a fora e encarava a vida que se encontrava porta a dentro. Ele cansou-se. Descidiu-se por ela. Levantou com impeto. Segurou-a com força. Arrastou-a para a cama.
E suas roupas perderam-se na profusão do chão.
E eles enroscaram-se nos lençõis.
E o dia viu-os.
E tudo o mais se perdeu.

Embreagem

O ronco do carro rugia alto. A estrada está toda a minha frente. Acelero. Ganho o lugar. Sou dono do lugar. Estou em meu auge. Acelerar não basta mais. Quero além. O rugido silencia-se. Desacelero o passo. A estrada vai chegando ao fim, cada vez mais curta. O carro para. Voo.

Sepulcral

Sozinha no escuro, eu temo. Deixada para trás, eu grito. Depois de tanto tempo, não há mais voz. Nunca houve voz. Nunca houve ouvidos. No frio, sozinha, eu tenho medo. Há luz aqui. Tanta luz que me cega. Me ofusca. Me envolve no breu. Há ouvidos por perto. Eles ouvem. Não escutam. Há minha voz estridente que grita. Não há atenção ao meu grito. Ele se perde. No vento. No tempo. No momento. Na memoria. Se perde, no frio, no escuro. Se perde.



Principe

Não sonho com um principe montado em um cavalo branco, usando armadura, lutando contra dragões e desembanhando uma espada.
Sonho com um homem, montado em uma bicicleta, usando all star, lutando contra o injusto e desembanhando um livro. Sonho com alguem que entenda a beleza das estrelas, a simplicidade das nuvens, a necessidade das plantas, a bondade das pessoas. Sonho com conversas e risos, com beijos e abraços, com carinho e com paixão, com a eternidade do momento. Sonho com a realidade, não com um sonho.Sonho em multiplicar, compartirlhar; e não em subtrair e dividir.
Ele não é gordo ou magro, nem belo ou feio, não é alto ou baixo. Ele é do jeito que é. Inteligente e culto. Ele é unico sem o ser. Ele é diferente e igual. Ele é ele. Com todas as imperfeições e defeitos.

"Gostamos das pessoas por suas qualidades, mas as amamos por seus defeitos."

Velhice

Plec. Plec. Plec. Os chinelos arrastados ecoam. Plec. Plec Plec. Nada mais de pequenos pezinhos correndo pela casa. Plec. Plec. Plec. O andar cansado é vagaroso como condiz a idade. Plec. Plec. Plec. As brigas, gritos, risos adolecentes se foram. Plec. Plec. Plec. A casa aparece tão grande e vazia. Nhec. Nhec. Ouve o balanço da cadeira do marido. Plec. Nhec. Plec. Nhec. A sinfonia de sons espalha-se lentamente. Plec. Nhec. Depois de tantos anos, estam sós novamente. Plec. Nhec. Chega a sala onde ele repousa. Ronc. Plec. Plec. Ronc. Ele ressona calmo e tranquilo. Plec. Plec. Senta-se no outro canto, longe dele. Ronc. Ronc. Com a casa vazia, como irá olhá-lo. Ronc. Depois de uma longa vida juntos. Ronc. Estavam tão ocupados que não se prestavam atenção. Ronc. Ronc. Agora nada mais o impedia de olhá-la. Ronc. O que veriá? RONC. Foi então que ele acordou, e com os olhos bagos de sono, encarou-a e sorriu, como da primeira vez que viu-a. Devouveu-lhe o sorriso. Preocupara-se a toa.
Sonho em voar.
Em deixar esse mundo.
Seguir ao sabor do vento e derrepente mudar tudo com um rufar de asas.
Quero sentir o umido sabor das nuves.
Ver a macies de veludo das brisas.
Sentir a palidez dos relampagos.

Imagino um lugar onde eu faça o que quero.
Não há vendas cobrindo meus labios.
Não há proibições impedindo meus olhos.
Não há cegueira restringindo meu pensamento.

Abro bem os olhos para ter a certeza que vejo.
A rua abandonada não apresenta sinal de civilidade.
Estou correndo por ela com a velha bicicleta.
O vento bate rapido em meu rosto.
Abro a boca provando seu gosto, que se mistura com a chuva.
Sou quem quero ser.
Imagino que voo.
Sentei-me hoje no centro da sala. Sentei e esperei, o professor ainda não havia chego, por isso me concentrei em observar as pessoas a minha volta. Rostos familiares, pessoas conhecidas. Eu as via todos os dias, a maior parte do dia, e no entanto não as conhecia, não eram meus amigos. Todos se falam, riam, brincavam; enquanto eu estava lá, sentada abraçada a meus joelhos apenas com os olhos de fora, espiando o mundo. Tive, então, noção de ausencia, solidão. Uma unica lagrima correu minha face, e manchou meus joelhos. Uma mancha pequena e redonda. Solidão não é estar no meio de muito e sentir falta de um.
Solidão é estar sozinho enquanto todos estão juntos.

Trago

O dia está quieto. Uma música entra francamente pela janela, abalada pela chuva. Toco uma nota no piano. Ela preenche a sala. Ninguem por perto. Nada a fazer. Deito-me no sofá. Admiro o teto branco. A agonia do nada me rodeia. Estico-me e pego os comprimidos. Viros sobre minha mão; 20 ao todo. Como em um maço de cigarro. Sento-me no sofá. Jogo-os na boca. Engulo-os. Pego um cigarro no maço, o último. Acendo-o. Deito novamente. Trago calmamente; solto a fumaça para cima. Sopro-a para fora. Sopro meu nada para fora. É tão facil morrer. É tão simples soprar. Viver é dificil. Dificil demais para continuar. Trago e sopro; trago e sopro. Sinto que eles já começaram a fazer efeito. Agors, mal consigo manter o cigarro na mão. Trago. Não vejo a fumaça sair. Sinto a vida soprar. Soprar para fora.
Ando pelas ruas.

Vejo pessoas.

Todas iguais.



Andam sem ver o mundo. Tão concentrados estão. As cores lhes passam desnotadas. Se elas ao menos soubessem. Se elas ao menos vissem. No entanto, elas sequer olham. Tudo veem. Nada enxergam. O céu tem mil cores. Eu me maravilho com todas. Eles vislumbram apenas uma. Desintereçados estão na vida. No mundo.


A ausencia de vida me preenche.
Não vida minha. Vida neles. Sinto por eles. Jamais irão ver o mundo. Não conherão a vida. Não vão vive-la. Cometerão o crime de apenas passar por ela.

Estranho mundo mensuravel

"O índice de refração da luz em um meio depende do tipo de luz que se propaga, pois é inversamente proporcional á velocidadede propagação da luz. Por conseguinte, qualquer que seja o meio a natureza da luz vai aumentear ou diminir tal índice."
Abdico-me de explicações; fisica é inexplicavel!

Fim de tedio

Com um solavanco abri a porta e larguei a mochila no chão. Joguei-me na cama. Encarei o teto. O calor entrava pela janela aberta, não que eu pudesse impedi-lo de modo algum. Sentei-me. Tirei o uniforme. Atirei-o a um canto. Abri o chuveiro e deixei que a água lavasse meu cansaço. 1º dia de aula. Excitante por rever os amigos. Decepcionante pelas aulas. Fecho o chuveiro e me enrolo na toalha. Visto algo qualquer. Viro a mochila do avesso. Tudo espalhado pelo chão. Não há vontade alguma em mim. Suspiro. Começo a trabalhar. E lá se vai meu tedio. Burramente troquei-o pelo trabalho maçante de raízes e calculos. De relance olho a pilha que ainda devo fazer. O desanimo abate-me. Debruço-me sobre os calculos. A primeira tarde perdida.

Voar e querer

Olho pela janela. O céu cinza rodeia o sol fraco. É outono. Finalzinho de tarde. As estrelas logo tomaram conta do céu. Estou deitada no quintal, observando os pássaros, voando livres. Sonho em ter essa liberdade. Fecho os olhos e imagino-me voando. Posso até sentir o vento em meu rosto. A sensação de flutuar espalha-se sobre mim. Sinto o prazer de voar. Sinto que posso fazer tudo o que quero. É tão simples ser um pássaro.