Vergonha

O céu escurecia lentamente, e como um enxame de vagalumes, as estrelas acendiam no céu violeta. Umas poucas nuvéns brincavam no céu, arrastadas pela brisa que refrescava-os. Estavam sentados, deitados, espalhados por ali.
A fumaça do cigarro espalhava-se por dentre eles, sem que se importassem. Estavam acostumados. Todas as noites, as mesmas únicas noites. A mesma companhia sob o mesmo lugar. Mas nunca uma noite igual.
Deitada com a cabeça no colo de uma amiga ela ria, seu riso infantil era quase uma gargalhada,  dessas incontrolaveis. Ela ria, com os amigos, dos amigos, de tudo. E todos riam dela, e com ela. Eram amigos. Viam-se todas as noites sob o mesmo céu estrelado.
Inquieta parou de rir. Sentou-se bem reta. Admirando concentrada algo a sua frente. Os amigos riam e tentando chamar sua atenção. Aerea voltou-se para eles, sorria desconcertada, como quem pede desculpa. Envergonhada de um pensamento só seu, temendo que eles pudessem percebe-lo.
Ainda sentada, ainda olhando quase fixamente.
Tão destraída estava. Tão concentrada em uma ideia distante. Mal percebeu o movimento as suas costas. Sequer notou até que um sussurro quase calado a fez virar-se.
"Você é linda", disse. Era apenas um mover de lábios. Ninguem notou. Ninguem ouviu ou percebeu.
Apenas ela. A distração que domava seus olhos foi substituida pelo espanto.
Ficou-se rapidamente. Confusa, espantada e sobretudo vermelha.
O rubor tingia-lhe as faces naturalmente rosadas. Era impossivel esconder ou disfarçar. Estava completamente vermelha. O riso explodiu ao seu redor. Tornando suas faces, já vermelhas, escarlates. Cobriu o rosto com as mãos, numa falha tentativa de esconder-se.
Ergueu os olhos em um misto de irritação e vergonha. Os olhos verdes encaravam duramente os castanhos.
"É tudo sua culpa", sussurrou para ele. Apenas conseguiu que ele sorrisse mais e mais abertamente que antes. Era como se sentisse um certo prazer em vê-la daquele jeito. Encabulada e sem saber o que fazer.
"Só disse a verdade", sussurrou de volta em resposta. No apice de sua vergonha e irritação, levantou-se com impeto e saiu rapidamente, deixando para trás rostos confusos e um sorriso satisfeito, que pós-se logo a segui-la.
Estava completamente inconformada. "Quem ele pensa que é para fazer isso?", sua cabeça rodava com o pensamento e com as parcas palavras sussurradas. No todo, não havia sido nada demais. Mas, para ela, não era assim.
Sentou-se confusa no banco. Incorformada. Deitou-se e olhou para o céu. As estrelas piscaram-lhe indiferentes. Não sentia-se linda. Não considerava-se feia. Mas achava-se longe do linda. Era feliz sentindo-se normal. Afinal, qual o problema de ter uma beleza comum? Nenhum.
Sua curiosidade, embora, não deixasse-a em paz. Se era assim tão comum, porque ele chamará-a de linda? "Aos olhos dele devo ser." Respondeu-lhe satisfeita uma parte de sua cabeça. "Não basta, ele teria dito bela", retrucou racional o outro lado. Sentou-se confusa, apoiando as mãos na cabeça. Seus pensamentos rodavam velozes. "Porque me abalei tanto com o ELE disse?". Tentava, desesperadamente, achar uma resposta, qualquer resposta.
Não percebeu quando ele sentou-se ao seu lado. Não notou quando ele olhou-a demoradamente, analisando cada gesto. Apenas vio-o quando ele envolveu sua mão com as dele. Encarou-o seriamente. Tentava achar as respostas que não conseguia. Poderiam, quem sabe, estar escondidas por trás daqueles olhos castanhos. Tão belos.
"Porque?", perguntou sussurrante em uma suplica.
"Porque é verdade", respondeu lentamente. "Você não vê?", perguntou desconfiado. Chocada demais para falar. Sua voz havia perdido-se em algum lugar, no meio do caminho. Acenou com a cabeça, não via. Ele olhou-a chocado. "Como não poderia ver?", pensava intrigado. Para ele era tão clara a beleza dela. A delicadeza dos traços, a força da expressão, o sorriso sincero, o olhar preocupado. Os olhos. Sobretudo os olhos. Tão claros e limpos, ao mesmo tempo profundos e misteriosos. Como o mar.
"Sou mesmo?", perguntou receosa, a voz finalmente saíndo, porém falha e vaga.
"Muito", ele confirmou serio. Ela sorriu-lhe timidamente. Estava desconcertada, sem saber o que fazer ou como agir diante daquela situação.
"Como sou tola", riu-se olhando para longe. Riu de si mesma. Era sempre tão confiante e resoluta. Sempre sabia como agir ou o que falar, e agora, ali, diante dele, parecia uma tola.
"É a tola mais linda que conheço", riu do enbaraçamento dela. "Sabe, depois que alguem te elogia, você deve agradecer", comentou fingindo-se bravo.
"Obrigada", respondeu gaguejante.
Não falaram mais. Apenas sorriram-se. Ela feliz. Ele esperançoso. Mas era desatenta demais para notar. Levantou-se agilmente. Inquieta como sempre, correu para os amigos, rindo. Sempre rindo.
Ele apenas viu-a partir. Seu sorriso já lhe acalentava o coração, e por hora bastava. Por hora.

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