Porta

Fecho a porta do quarto com cuidado, tomando cuidado para não fazer nenhum barulho, prestando atenção para não incomodar ninguém. Já sou incomoda o bastante sozinha. Encosto na parede e vou escorregando devagar até chegar ao chão. Seguro o ar, com medo de fazer barulho, com medo de assustar, quem sabe a mim mesma. Suspiro e começo a chorar baixinho. As lagrimasescorrem soltas por meu rosto, não a nada a se fazer. Posso olhar em volta e ver o que restou, uns livros seus na estante, alguns cds que você deixou, uns poucos filmes restaram, as blusas que ficaram perdidas no armário. Tiro as sandálias e jogo-as a umcanto, vazio e sem sentido, outro canto abandonado.
Não são todos os dias tão ruins assim, alguns são realmente bons e outros, nem tanto. Como ontem, ontem foi um bom dia. Sai com minhas amigas da faculdade, e o barulho e os risos me distraíram, me tornaram leve, fui dormir em paz. Mas hoje, hoje eu vi osilencio e é no silencio que vejo você. E não era o nosso silencio, era o meu silencio longe do seu, era o seu silencio com outra.
Não sei quanto tempo passou desde que saiu de casa, foi embora e levou a sua parte da bagunça. Tudo agora é tão excessivamente arrumado sem você, preferia antes, com nossa bagunça, nosso cheiro, nossa brincadeira, nosso silencio.
O chão está frio e eu quase posso ouvir você dizendo: “Saia do chão vai pegar um resfriado sua irresponsável”. Riu sozinha com minhas lembranças gostosas e me imagino respondendo “Não vou sair seu chatinho responsável, deixe-me ser feliz em paz”. Mas os tempos são outros e as falas são outras.
Levanto devagar, não quero fazer meu mundo girar novamente, minha constante tontura me basta. Tontura, enjôo, meu mundogira, perdi meu ponto de equilíbrio. Sempre fui meio desequilibrada, caindo pelos passos e repassos, literal e figurativamente falando. Nunca estive em perfeito equilíbrio com nada, por isso corria tanto, mudava tanto, não me importava tanto. Mas com você era diferente, me sentia em equilíbrio, em sintonia com algo. Ao que parece, estava errada, ou era só você que não estava emequilíbrio.
Uns passos trôpegos me levam até a  cama desarrumada, como sempre, não me dei o trabalho de arrumá-la para não ter o trabalho de desarrumá-la mais tarde. Jogo-me sobre os lençóis revirados e percebo quanto temos em comum. Ambos jogados em cima da cama, largados de qualquer jeito, sem ninguém que se importe o bastante para segurar e nos arrumar.
Durmo ouvindo atentamente o silencio. Adormeço atormentada pelo espaço extra na cama. No fundo, eu só espero que você abra a porta, atravesse o quarto e deite comigo na cama, como antes, como quando era certo. Ouço o silencio da esperança de ouvir o seu barulho e a sua bagunça voltando para casa, mas de um modo ou de outro eu sei que é tudo ilusão. Se você por um acaso adentrar pela porta, não será para me pegar nos braços, sussurrar nos meus ouvidos tudo o que fará comigo, me jogar na cama e me segurar bem forte dizer que me quer antes de me beijar. Não, se você entrar pela porta será para pegar os livros que esqueceu, os filmes que tanto gosta, uma camisa que te deixa particularmente charmoso, e só.
Afasto tais pensamentos com a força das lagrimas que escorrem. Preciso dormir, preciso sonhar, preciso continuar e dessa vez será sem você. Abraçada lealmente à noite, as lagrimas, ao lençol, eu durmo ouvindo ao silencio.

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